Ad Dhale, Iêmen: “Todos os dias, recebemos ligações de pacientes em estado grave que não conseguem chegar aos nossos hospitais”

Violência se agrava no país e impede que civis tenham acesso a cuidados de saúde vitais

  • VOCÊ ESTÁ AQUI
  • Atualidades
  • Ad Dhale, Iêmen: “Todos os dias, recebemos ligações de pacientes em estado grave que não conseguem chegar aos nossos hospitais”
iemen-msf143776-msf

O Dr. Ali Dahi está trabalhando para a organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) em Ad Dhale, região no sul do Iêmen que continua vivenciando batalhas em cidades e bombardeios aéreos na medida em que as forças Houthi avançam para o sul. Devido à violência, muitas pessoas precisando de assistência médica essencial não conseguem alcançá-la a tempo. Abaixo, o médico fala sobre algumas situações enfrentadas pela população:

“Tivemos dois ou três dias de relativa calma na semana passada, mas, mais uma vez, há tiroteios pesados e bombardeios na cidade de Ad Dhale. Todos os dias, recebemos ligações de pacientes em estado grave – às vezes feridos de guerra, às vezes com outros problemas de saúde graves – que não conseguem chegar aos nossos hospitais.

Mulheres grávidas morrendo em pontos de controle

Em três ocasiões ao longo das últimas duas semanas, mulheres com complicações de parto enfrentando risco de morte nos ligaram de pontos de controle que estavam fechados, porque as estradas que levam ao nosso hospital eram muito perigosas. Duas dessas mulheres, e uma criança que não pôde nascer, morreram esperando a reabertura desses pontos de controle.

Só ontem, durante um parto realizado em casa, uma mulher teve um grave sangramento pós-parto. Mas, naquela hora, os confrontos se intensificaram na cidade de Ad Dhale, e ela teve de voltar de um ponto de controle que estava no caminho do nosso hospital. Ela não conseguiria chegar a nenhuma outra instalação de saúde a tempo. Ela também morreu.

Outro caso foi de uma mulher que precisava de uma cesárea de emergência para salvar a sua vida e a de seu bebê. Mas a estrada era muito perigosa para nossa ambulância trazê-la às nossas instalações de saúde ou para ela mesma viajar até outra instalação capaz de realizar a operação. A única opção disponível para salvar sua vida foi a indução do parto por um médico de seu vilarejo, que resultou na morte do feto. A mãe sobreviveu. 

Essas são apenas as histórias que conhecemos.

Cruzando linhas de frente de batalha

Nós encaminhamos casos graves que precisam de cuidados mais especializados a outras instalações sempre que podemos, às vezes cruzando linhas de frente de batalha. Nos últimos dois dias, conseguimos encaminhar seis pacientes da cidade de Ad Dhale ao hospital de MSF em Aden, onde temos mais capacidade cirúrgica e onde uma nova equipe cirúrgica e suprimentos conseguiram chegar ontem. Mas conflitos pesados e frequentes na estrada significam que temos de manter pacientes que precisam de encaminhamento em nosso departamento de internação em Ad Dhale, esperando por um momento em que seja seguro transportá-los. Às vezes isso funciona, muitas vezes demora demais.

Grave escassez de suprimentos na cidade de Ad Dhale e redondezas

Cerca de 60% da população fugiu de Ad Dhale para a região dos arredores da cidade, que é um pouco mais segura, de forma geral. A cidade está efetivamente fechada. Há escassez de combustível e eletricidade, o que também significa falta de água, na medida em que ela não pode ser bombeada. Isso é um problema para o hospital, mas o diretor da instalação acabou de conseguir organizar uma entrega por caminhão de água para nos manter trabalhando por agora.

O estoque de suprimentos dos hospitais do Ministério da Saúde que ficam nos arredores da região está em vias de acabar. MSF está doando materiais para onde pode, mas precisamos conseguir que mais suprimentos cheguem à região. O Ministério da Saúde está sem medicamentos para doenças crônicas, e os pacientes em tratamento de longo prazo para tuberculose correm o risco de ter seus tratamentos interrompidos. Especialmente em se tratando de tuberculose, isso favorece a resistência a medicamentos, que complica o tratamento dessas pessoas no longo prazo. Campanhas de vacinação estão sendo perdidas na medida em que a falta de eletricidade impede que as doses sejam mantidas em refrigeração, o que gera, novamente, o risco de incidência de doenças evitáveis no longo prazo. Também há escassez de alimentos na região.

Nós tratamos mais de 150 feridos de guerra em Ad Dhale desde que a violência aumentou por aqui. Mas a violência está causando a deterioração da saúde das pessoas que estão sujeitas a esse conflito de outras maneiras. O processo para conseguir mais profissionais médicos e materiais no Iêmen precisa ser mais fácil e rápido.”

Compartilhar