Abandonadas por todas as pátrias

A psicóloga Patrícia Schmid relembra a história de seus pacientes migrantes detidos indefinidamente na ilha de Nauru

Abandonadas por todas as pátrias

Fugiram juntas, as duas irmãs e cada uma com quatro filhos. Os maridos decidiram continuar no país de origem, mas elas, não. Enfrentaram os mares em busca de uma vida melhor ainda que sabendo que ser refugiadas não seria fácil. Só não imaginavam que seria quase impossível…

Almejavam um país desenvolvido, mas diante da mudança de controle de fronteiras, acabaram numa ilha, num centro de detenção de refugiados. Estavam em Nauru. “Eu nunca vou me esquecer do seu olhar, meu menino, quando entendeu que estávamos numa ilha sem poder sair.” Pensava ela enquanto cuidava de seu menino de 10 anos. Ele adoeceu gravemente com um problema cardíaco e a tristeza que já o acompanhava só fez piorar.

Ela cuidava bem do seu menino, cozinhava divinamente as tradições de sua pátria, seguia a religião de seu país; fugiu da pátria em guerra, mas a pátria não havia fugido dela. Queria um futuro melhor para seus meninos e se angustiava por vê-los crescendo sem futuro. Ela era uma mulher de coragem junto com sua irmã. Adorava seus sobrinhos, mas um dia uma das sobrinhas já em quadro de depressão, piorou preocupantemente. Ela pediu a uma equipe de saúde que a acompanhava para cuidar de sua irmã e sobrinhas. O estado de seu menino era grave, mas ela também precisava ajudar sua irmã.

A sobrinha precisou ser transferida para fora da ilha para ter cuidados médicos adequados e seu menino também. As irmãs conseguiram as transferências, mas foram comunicadas de que teriam que escolher um único membro da família para acompanhar o menino e a menina.
Uma agonia se sobrepõe a vidas já dilaceradas. A escolha de Sofia. As irmãs precisam decidir se acompanham os filhos na transferência médica e deixam seus outros três filhos na ilha ou se enviam um dos filhos para cuidar do irmão e da irmã.

Só que elas estavam juntas o tempo todo, na fuga do país de origem, na jornada migratória de barco, enquanto detidas na ilha. Separar não era justo, nem mesmo possível.

Ela se desesperou, já não cozinhava como antes os quitutes de sua pátria, dizia que pedia uma luz para seu Deus para tomar a decisão correta. A irmã também se desespera e também pede ajuda para o mesmo Deus. A luz não vem, elas rezam, mas a luz não vem…  Elas falam de injustiça, de direitos humanos violados com a separação da família, elas choram. E só os médicos as escutam.

E, assim, a decisão mais difícil de suas vidas foi tomada: foram com os filhos adoecidos, deixando para trás os demais.

Elas ligam todo dia para os filhos que deixaram. Elas cuidam dos filhos adoecidos num outro país, mas não sabem quando ou se irão ver novamente os filhos que deixaram para trás. E ela não cozinha mais, sente que a sua ou qualquer outra pátria a haviam abandonado de vez.

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