A alegria de dar alta a um paciente de Ebola

Telimélé, 07 de junho de 2014

Faz uma semana que deixei o Brasil, mas já perdi completamente a noção do tempo e dos dias. Minha primeira semana aqui na Guiné foi tão intensa que parece que já estou aqui há meses.

A epidemia de Ebola começou na Guiné, no início deste ano, e aos poucos foi aumentando. Em março, MSF começou um projeto.

O problema com essa epidemia é que, se não isolamos o paciente, ele continua a contaminar os outros e é quando ele morre o momento em que tem mais vírus no corpo, e fica ainda mais contagioso. Por isso, é comum que as pessoas que comparecem às cerimônias do funeral acabem adoecendo também. Por medo do estigma da doença e de ter que ir para um hospital, algumas famílias escondem seus doentes e, o que estava aparentemente sob controle, em maio, explodiu novamente e em diferentes locais, porque as pessoas se deslocam para ir aos funerais.

Foi nesse contexto que Telimélé surgiu como um dos focos da epidemia. Por isso foi necessário uma rápida intervenção de MSF para tentar isolar os casos positivos e tratá-los da melhor forma possível.

Quando cheguei, o projeto tinha começado há uma semana. Por isso, ainda não temos casa e estamos em um hotel (que é bem simples), dividindo quartos e com pouca estrutura de comunicação.

O centro de tratamento foi montado há 13 km daqui – 40 minutos pela estrada de terra –, onde já tinha um hospital do Ministério da Saúde guineano. Quando cheguei, já havia o isolamento com 16 casos confirmados e 2 suspeitos. Durante toda a semana, vi a equipe de logística trabalhando duro para melhorar a estrutura física do isolamento e para fornecer água e energia.

Já conseguimos um gerador e nossa logística já o colocou para funcionar, iluminando o isolamento. O logístico responsável pela construção já terminou nosso vestiário – onde colocamos as famosas roupas de “astronauta” e nossa farmácia, para guardar os medicamentos. O logístico responsável por água e saneamento já colocou uma bomba para puxar água e se encarrega de treinar os higienistas, que são os responsáveis por lavar as nossas roupas do hospital, a louça dos pacientes, limpar o espaço das enfermarias e nos desinfetar quando saímos da visita ao isolamento.

A equipe médica é formada por uma infectologista italiana, um enfermeiro ugandês que tem muita experiência com Ebola, um médico epidemiologista italiano (ele é responsável por ir nas casas das pessoas que tiveram contato com o paciente Ebola positivo e fazer o seguimento dos sinais da doença por 21 dias) e por mim, que, em uma semana, já aprendi muitas coisas e espero continuar aprendendo.

A jornada de trabalho é dura. Saímos às 7h30 do hotel e voltamos por volta de 21 horas, todos os dias. Fazemos, no mínimo, duas visitas por dia ao centro de tratamento para ver os pacientes, de manhã e à tarde, e também fazemos a triagem dos pacientes que vêm até nós achando que estão doentes. No início, não vinha ninguém, muito por conta de medo, mas nesta semana demos alta para o nosso primeiro paciente curado e as pessoas começaram a entender que nosso tratamento é sério e começaram a nos procurar.

É muito bom poder alta para um paciente. Como acabei de chegar, não cheguei a vê-lo doente. Me disseram que ele estava muito mal quando chegou e com a hidratação, as vitaminas e a alimentação sua resposta foi boa e seu último exame de sangue veio negativo. Além de garantirmos que nossos pacientes comam bem, tentamos fazer o possível para tornar a estadia deles no nosso centro de tratamento a melhor possível. Na hora da alta, como as roupas do paciente estão contaminadas, precisamos colocá-las no cloro antes que eles saiam. O que fazemos é dar um banho de cloro no paciente, depois um banho com água normal e aí damos novas roupas para ele. Na saída, sempre tem nossa promotora de saúde com a psicóloga para poder abraçar o paciente que tem alta: como ele já está negativo, podemos tocá-lo sem risco de contaminação e assim mostramos para a família e para a comunidade que ele não é mais contagioso. No caso desse nosso paciente, Malik, ele fala bem francês e estava o tempo todo preocupado com os outros pacientes internados. Então, ele foi contratado como promotor de saúde – ninguém melhor para explicar à população sobre o Ebola do que alguém que já teve a doença!

Amanhã é domingo, mas, como temos um hospital cheio de pacientes, não podemos nos dar ao luxo de ficar no hotel. Trabalharemos, como em todos os outros dias.

Beijos com saudades!

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