As preciosidades de Moçambique

Felipe Evangelista com equipe de MSF em Moçambique. Foto: Arquivo pessoal

Felipe Evangelista, analista de Recursos Humanos de MSF, conta como foi trabalhar em um grande recrutamento de profissionais locais em Moçambique

Iniciei meu trabalho com Médicos Sem Fronteiras (MSF) em 2019, como captador de recursos na equipe de diálogo direto em Porto Alegre. Em 2021 me candidatei a uma vaga de assistente de Recursos Humanos dessa mesma equipe e fui aprovado. Em 2022, fui promovido a analista. Em 2024, surgiu a oportunidade de trabalhar como recrutador de profissionais em Moçambique, em projetos de MSF.

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O trabalho era no distrito de Cabo Delgado, desenvolvido em três cidades: Pemba, que é a capital do distrito; em Mocímboa da Praia, uma cidade litorânea que vem sofrendo com ataques de grupos armados não estatais; e Mueda, uma cidade um pouco mais movimentada, com amplo comércio, e que fica há uns 100 km de distância de Mocímboa e a 270km de Pemba. Em geral, a situação de segurança na região é instável por causa dos ataques desses grupos, que hora se intensificam, hora se reduzem, o que força as pessoas a se deslocar para outros lugares

Apesar de o português ser um dos idiomas de Moçambique, desde o início eu já sabia que seria desafiador trabalhar tão ativamente com a população local, vivenciando uma outra cultura, em um contexto de insegurança, em um país diferente do meu e com um trabalho tão intenso. Inicialmente, eu ficaria um mês em Moçambique, mas depois se estendeu para dois. Isso porque havia um enorme recrutamento à minha espera, para preencher vagas em nossos projetos.

MSF é um ótimo empregador local, todo mundo conhece e quer trabalhar conosco, pois oferece um salário justo e benefícios para os profissionais e suas famílias. Confesso que nunca li e analisei tantos currículos ao mesmo tempo, pois eles chegam em grande quantidade, tanto por e-mail quanto em papel, entregues nas caixas de correio dos nossos projetos.

A comunicação foi um desafio constante. Primeiro, porque as pessoas na região muitas vezes não têm acesso a e-mails ou o hábito de utilizá-los. A forma mais comum e efetiva de se comunicar é pela ligação telefônica.

Confesso que tive que reaprender a falar no telefone. Fiz centenas de ligações para marcar testes e entrevistas. O mais interessante é que todo mundo atende (o que parece não acontecer mais com tanta frequência pelo Brasil), e quando não atende, envia uma mensagem pedindo para retornar. Como a rede de telefonia é muito instável, as pessoas possuem dois chips de celular, então normalmente você tem que ligar para os dois e ver em qual número vão te atender.

Quando chove, a rede de telefonia e internet não funcionam, ou funcionam muito mal. E aí entra o desafio: como fazer para contatar os candidatos ou entrevistá-los? Foco e persistência são a resposta. O objetivo é fazer as coisas acontecerem, nem que eu tivesse que achar um lugar bem alto para captar o sinal da telefonia, ou se precisasse repetir 10 vezes a mesma frase para que as pessoas entendessem meu português diferente.

Imagine que em uma determinada semana eu e os gestores realizamos 25 entrevistas de uma hora cada. É algo que exige muita concentração e persistência, pois o último candidato do dia merece o mesmo respeito, energia e qualidade que o primeiro candidato, mesmo estivéssemos todos muito cansados.

Sinto que me adaptei muito bem aos projetos e aos seus desafios. Como sou uma pessoa proativa, procurei compreender o que e como esperavam que eu realizasse as tarefas. Claro que houve momentos em que me senti mais sensível, como em finais de semana, por exemplo. Então eu fazia uma ligação para casa, conversava com os amigos para amenizar essa saudade. Mas acredito que a melhor coisa que pude fazer nos momentos vagos foi interagir com os outros colegas de MSF em Moçambique.

Como eu trabalhava em mais de um projeto, ficava umas semanas em uma cidade, depois em outra. Isso me fez trocar nove vezes de quarto, mas me fez conhecer dezenas de colegas incríveis de muitas partes do mundo (Moçambique, Alemanha, Finlândia, Portugal, Grécia, México, Venezuela, Colômbia, Peru, Espanha e meus conterrâneos brasileiros). Não tem como não dizer que, de alguma forma, somos uma família.

Juntos, fazíamos jantares, churrascos, comemorávamos aniversários, partidas de pessoas mais antigas, festejávamos os novos, fazíamos passeios quando possível… Na minha despedida, meus colegas me deram uma bolsa feita de capulana (um tecido tradicional local) e me falaram coisas tão bonitas.

O que me deixa mais feliz nessa experiencia é eu ter aproveitado essa oportunidade e ter dado um “sim” para mim mesmo. Encarei o desafio e aumentei a minha zona de conforto (estar lá para mim é algo confortável agora). Senti que valeu a pena para mim e para meus colegas de MSF em Moçambique. Juro que saí de lá com o sentimento de dever cumprido, tendo entregue o que foi solicitado e além. Foram exatamente 1030 currículos analisados, 160 testes aplicados, 97 entrevistas e 29 pessoas aprovadas! Gosto muito de me sentir desafiado, de fazer coisas acontecerem, de surpreender em tudo o que faço, minha essência é essa.

Fiquei muito feliz quando após meu retorno para o Brasil, em abril, recebi um áudio de uma colega de Mueda, falando sobre o início de alguns dos novos profissionais que ajudei a trazer para MSF. A fala dela expressava muita gratidão e muita felicidade por termos encontrado essas pessoas, que enxergo como diamantes, únicas, e que tivemos a sorte de conhecer na linda e encantadora Moçambique.

 

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