Bara mo!

Batangafo, República Centro-Africana. 08 de julho de 2013

Faz já um mês que estou em Batangafo, um mês que passou por aqui a jato e deixou familiares os sons, as cores vivas, as ruas de chão batido dessa pequena vila, incrustada no coração da República Centro-Africana. O caminho de todo dia de casa ao trabalho, embora curto, permite-nos o momento de passear pelo chão irregularmente corroído pela erosão, passar pelas casas e seus telhados de palha, empoeirar as sandálias e ver as mãos estendidas em cumprimento – “Bara mo!”, “merci, bara mingui!”. “Eu te saúdo”, dizem os centro-africanos; “obrigado, eu também te saúdo”. Apertam-se as mãos e as mantemos umas nas outras enquanto falamos, demonstrando apreço; um sorriso, um riso, uma mão no ombro, uma palavra em sängö mostram real presença e atenção e fazem toda a diferença nas tarefas cotidianas mais simples.

A beleza do trabalho administrativo de um projeto assim está em cada cantinho de página – uma fatura de alimento infantil que assinamos, cada enfermeiro que pagamos, cada comanda de materiais de construção para a reforma do hospital. O projeto é enorme e as demandas, naturalmente, incessantes – são 260 empregados e, por exemplo, pagá-los todos em dia quando não há bancos num raio de 400 km torna-se um verdadeiro desafio, que só pode ser superado com dedicação, uma boa dose de bom-humor e a paciência de todos. O dia a dia é corrido; estou convencida de que o tempo passa mais rápido neste canto do mundo. O dia começa às 7h30 e, quando olho para o relógio, a manhã já nos deixou, e se aproxima o momento de voltar à casa para o delicioso almoço – reza a lenda que é difícil achar comida melhor em outro projeto de MSF!

Voltamos no início da tarde, e basta pôr a chave na porta que já se tem uma fila de solicitações diversas – adiantamentos operacionais, comandas de materiais, pagamentos de diárias, de serviços, relatórios, e, claro, problemas! Atrasos, reembolsos, pedidos de adiantamento salarial… Nada como uma boa e velha falha temporária de contabilidade para nos pôr os cabelos em pé! Só sossegamos quando a conta fecha; e aí já é provavelmente perto das 19h00, nosso toque de recolher, que está aí colocado com razão e precaução – faz cerca de três meses que a equipe teve de ser evacuada, dados os eventos que levaram ao mais recente golpe de estado no país, cujos violentos reflexos deixaram, como sempre, marcas profundas que ainda ecoam. Se às 19h00 se aproximam, é hora de fechar tudo e encontrar os demais profissionais estrangeiros no emocionante trajeto diário no 4×4, que chacoalha nossos risos de um lado para o outro no chão erodido.

E, enquanto tilintam os talheres do nosso bem-vindo jantar, escutamos os relatos dos nossos médicos e enfermeiros, que sempre nos fazem relembrar a importância da nossa presença aqui, única alternativa de tratamento de saúde para essa gente, que é também nossa gente. E é nesse contexto de continuada instabilidade, a que se somam o pico sazonal da malária e uma provável crise nutricional, que o trabalho de MSF se torna ainda mais importante, e sem o qual incontáveis vidas se perderiam.

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