Chegada ao Afeganistão para o primeiro projeto com MSF

A enfermeira de centro cirúrgico Erica Cravo fala sobre seu trajeto até chegar ao hospital Bost

Diário de bordo - enfermeira Erica Melo Cravo

Após todos os preparativos para essa viagem, como o treinamento em Bonn, na Alemanha, e reuniões em Amsterdã, na Holanda, finalmente chegou o dia de embarcar para o meu primeiro projeto com Médicos Sem Fronteiras (MSF), no qual fui designada a trabalhar em um centro cirúrgico no hospital Bost, em Lashkar Gah, província de Helmand, no Afeganistão.

Precisei ir primeiramente a Dubai para solicitar meu visto pessoalmente na embaixada do Afeganistão e, com o visto em mãos, desembarquei na capital Cabul. 

Em Cabul, com seus – 6º C, na saída do aeroporto pude ver o motorista de MSF me aguardando, o que me fez sentir um grande alívio. Seguimos para o escritório e passei o resto do dia em reuniões para conhecer meus colegas e entender melhor o contexto geral do projeto e do país. Fomos informados que sairíamos no dia seguinte bem cedo para nossos projetos.

No dia seguinte, conheci na base uma psicóloga canadense e um administrador nigeriano. Eles iriam para outro projeto em Candaar, mas pegaríamos o mesmo avião, que nos deixaria em nossos respectivos projetos. Fiquei muito feliz por encontrar esses colegas, que já habituados com toda a rotina de entrada e saída do Afeganistão, me ajudaram muito com todo esse processo com muita gentileza.

O pequeno avião partiu de Cabul e pude ver as enormes montanhas cobertas de neve ao redor da cidade, uma belíssima paisagem aérea que após algum tempo de viagem foi mudando para belas dunas ao chegar perto de Candaar. Despedi-me de meus queridos colegas e aguardamos na pista o piloto confirmar se tínhamos boas condições de tempo para partir para Lashkar Gah. Dentro de 30 minutos pudemos reembarcar e seguir em direção ao projeto, apenas mais 20 minutos de viagem.

Novamente a paisagem foi se alterando, ficando plana, e comecei a ver verde no meio de todo aquele deserto. Com um canal passando perto da cidade, pequenas plantações surgiram e percebi que finalmente chegamos a Lashkar Gah. Desembarcamos no pequeno aeroporto, composto de apenas uma sala e fui recebida calorosamente por colegas que saíam do meu projeto para suas férias.

O motorista de MSF me aguardava e fomos diretamente ao hospital Bost. No caminho pude ver uma cidade diferente de Cabul, guardadas as proporções, com um clima frio, mas bem mais ameno e ensolarado. Pude ver muitas pessoas nas ruas, especialmente crianças, mas muitas, como nunca havia presenciado. Todas as pessoas olhando nosso carro passar com muita curiosidade e acenando para nós com muita alegria. Senti-me mais confortável e aliviada de saber que somos tão reconhecidos e benquistos na cidade na qual passarei meus próximos nove meses.

Chegando ao hospital, encontrei meus colegas e fui muito bem recebida por todos, principalmente por um colega italiano que me aguardava para passar o plantão dos setores que eu assumiria a partir daquele dia. Passei o resto do dia cumprindo uma agenda de reuniões com vários setores do hospital, incluindo profissionais nacionais e internacionais, sempre com muito boa receptividade, alegria e curiosidade, pois diziam que eu parecia muito com as mulheres afegãs.

Nos dias seguintes, muitas reuniões para conhecer esse grande projeto que é o hospital Bost, um dos maiores projetos apoiados por MSF atualmente, com aproximadamente 380 leitos, mil profissionais e grande referência para a população da província de Helmand. Em sua grande maioria essas pessoas partem de muito longe em busca de um atendimento de saúde gratuito e de qualidade.

Nos meus setores – centro cirúrgico e esterilização – grande expectativa para a finalização da reforma estrutural e a inauguração. Muito trabalho e esforço nos primeiros dias foram necessários para realizarmos toda a mudança para o setor recém-reformado, adaptando as pessoas aos novos fluxos e instalando nossos equipamentos, mas com a ajuda de todos os profissionais locais pudemos concluir a mudança com muito sucesso.

Por ser um contexto de segurança mais rígido, podemos realizar mínimos movimentos pela cidade, o que nos garante muito tempo em nosso alojamento, onde fico com meus colegas de 11 nacionalidades diferentes, conhecendo suas histórias e trajetórias no trabalho humanitário com MSF. Fazemos nossos exercícios físicos juntos, apresentamos receitas culinárias de nossos países, assistimos filmes e é a partir dessa convivência harmoniosa que nos apoiamos mutuamente para que todos mantenham seu bem-estar.

Após 10 dias em campo, analisando toda a expectativa que eu possuía antes de embarcar para esse projeto, por tentar prever como seria o dia a dia nesse novo contexto, posso dizer que só estando aqui para entender o que é o Afeganistão, sua cultura e beleza, como é trabalhar para MSF e o quão importante é esse projeto para essa gentil população, que tenta reconstruir as suas vidas após muitos anos de guerra com muito trabalho e dignidade. Sinto-me muito feliz por estar aqui contribuindo para essa reconstrução. Muito obrigada, MSF!

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