Como trazer respostas, quando o que mais tenho são perguntas?

Gabriela Roméro fala sobre os desafios de trabalhar na comunicação da resposta à epidemia de Ebola na RDC

Como trazer respostas, quando o que mais tenho são perguntas?

O Ebola é uma doença assustadora, que é transmitida por um vírus que pode matar até 90% das pessoas infectadas (a taxa de mortalidade em epidemias passadas varia drasticamente de 25% a 90%). A primeira epidemia registrada aconteceu em 1976, em surtos simultâneos no Sudão e na República Democrática do Congo (RDC). Desde então, o mundo assistiu ao terrível surto de 2014-2016 na África Ocidental (Guiné, Libéria e Serra Leoa), que atingiu mais de 28 mil pessoas e matou mais de 11 mil. Neste momento, a RDC passa pelo seu décimo surto de Ebola, o mais mortal até hoje no país. Em 1 ano e meio, já foram mais de 3.200 casos confirmados e mais de 2 mil mortes. É nesta epidemia que vim trabalhar como gerente de comunicação de emergência por seis semanas.

Cheguei à cidade de Goma, capital da província do Kivu do Norte, em um momento em que os casos de Ebola aqui e na região de Ituri – as duas províncias atingidas no momento – começavam a aumentar depois de meses em franco declínio. Meu trabalho é cuidar da comunicação da resposta de emergência como um todo, desde a produção do material que você encontra no nosso site até a gestão dos pedidos de entrevistas e visitas que chegam da imprensa local e internacional. Além disso, ajudo a identificar oportunidades junto à mídia local para transmitirmos mensagens importantes sobre Médicos Sem Fronteiras (MSF) e sobre atividades específicas, como a campanha de vacinação contra o Ebola da qual fazemos parte em Goma.

A atual epidemia tem particularidades que mudam bastante a sua dinâmica em relação aos surtos anteriores. Pela primeira vez temos casos de Ebola numa área de conflito. A violência não apenas impõe barreiras ao acesso das equipes de emergência; o deslocamento de pessoas em busca de segurança torna a identificação de novos casos e o controle da propagação do vírus ainda mais difícil. Como se não bastasse, o país passa ao mesmo tempo por uma epidemia de sarampo sem precedentes, que apenas em 2019 atingiu quase 300 mil pessoas e matou mais de 5 mil. Isso demonstra outra característica importante deste surto de Ebola: estamos falando de um dos países com a menor renda per capita do mundo, onde os serviços de saúde são pagos e grande parte dos escassos recursos humanos disponíveis para a população foram de repente direcionados para a resposta de emergência. O já deficiente sistema de saúde do país se viu sobrecarregado pela resposta ao Ebola e não era de estranhar que a população demonstrasse seu descontentamento. Foi por esta razão inclusive que MSF, que trabalha regularmente na RDC desde 1981, incorporou às suas atividades da resposta de emergência atendimento de saúde primária e secundária.

Por outro lado, trata-se da primeira epidemia de Ebola que conta com duas vacinas para prevenção, além de tratamentos eficazes para os pacientes com casos confirmados. Mas isso não diminuiu a taxa de mortalidade, que continua em torno de 60% como aconteceu no grande surto da África Ocidental. Embora tenhamos novas respostas para salvar vidas e conter a propagação da doença, as perguntas crescem em maior proporção.

Todo trabalho de comunicação envolve fazer diversas perguntas. Mas e quando grande parte das respostas ainda não existe? E quando o tema que é seu papel cobrir é apenas a ponta de um novelo que envolve crises que se sobrepõe e que afligem a RDC há décadas?

Toda vez que volto de uma reunião no centro da cidade, vejo à direita o monte Nyiragongo, o colossal vulcão há cerca de 20 quilômetros do centro de Goma. Embora seja um vulcão ativo, sua presença e proximidade constantes acabam fazendo com que a gente esqueça o perigo que ele representa. Para mim, ele é a síntese do próprio Kivu do Norte: de uma beleza estonteante, mas um lembrete de que, aqui, o futuro carrega sempre um ponto de interrogação.

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