“Compaixão é entender que nunca estamos sozinhos”

Carla Parzianello, coordenadora de farmácia de MSF, compartilha sua experiência no Sudão

Quando pensamos em nosso trabalho com MSF, muitas vezes ficamos mais focados no impacto positivo que queremos ver junto às pessoas que precisam do acesso a serviços de saúde e, no entanto, possuem diversas dificuldades para poder fazê-lo. As razões pelas quais MSF atua junto de populações vulneráveis não é mera causalidade – está intimamente ligada ao por que se chegou a essa situação. Guerras, conflitos étnicos, colapso da estrutura de saúde do país ou de uma região em específico, incapacidade de atender uma determinada população-alvo por problemas logísticos ou por falta de suprimentos adequados e em quantidade suficiente. Uma infinidade de histórias de quem está muito mais longe do que se pode chamar de zona de conforto, mesmo em comparação com nossas equipes que estão atuando diretamente com essas populações.

Quando se decide partir para um projeto, troca-se muito mais que um ambiente conhecido por um desconhecido. Entra em cena um exercício diário de sensibilidade, empatia e compaixão, em que cada um terá um maior ou menor grau de desenvolvimento dessas habilidades que se esperam estar alinhadas com quem busca atuar em uma organização humanitária. Porém, há que se refletir a medida de cada. No caso de se estar sensível a ponto de não conseguir elaborar internamente os sofrimentos que se observa dia a dia, torna-se difícil chegar na reta final com a conclusão de se ter alcançado impacto positivo, já que o foco da atenção estará no problema e não necessariamente na solução. Sobre a empatia, embora uma qualidade considerada de boa liderança e muito aclamada em vários meios, sabe-se que o ser humano possui maior facilidade de trabalhar ela quando considera estar entre seus pares e em um ambiente familiar, o que pode explicar, ao meu ver, o cerne de guerras e conflitos étnicos, cenários onde a organização atua. Resta aí a última e mais importante qualidade – a compaixão – quando olhamos para quem está do lado e fazemos um exercício de sentir na nossa própria pele o que se passa em sua mente e coração. Só que o foco é construir, em conjunto, um ambiente de colaboração, de resultado que possibilite um novo cenário que vá além de resiliente, que seja, na verdade, melhor do que antes.

Nem sempre vai ser somente a população a que atendemos o receptor dessa compaixão, visto que lidamos em equipes muitas vezes numerosas e escutar ativamente um colega de trabalho e contribuir com espírito de equipe e crescimento em habilidades técnicas e emocionais pode refletir um impacto gigante para os que interagem e também para as operações, inclusive. Ao perguntar para alguns colegas sobre o que mais gostam ao trabalhar com MSF, muitos respondem que além de ver toda a atividade acontecendo com as pessoas atendidas, o capital humano que encontram faz grande diferença.

– Colega, você sabe usar esse aplicativo?!
– Oi, pode me dar uma ajudinha com essa fórmula do Excel?!
– Bah, estou tendo dificuldade de me comunicar com a equipe, tem alguma dica?
– Olha só, já tentou fazer esse curso online novo que foi disponibilizado?!
– Nossa, viu a atualização sobre o novo protocolo de tratamento?!
– Com base na tua experiência, quais indicadores de performance mostram com clareza como está nosso estoque?!

Muitas vezes, quando bate a saudade de casa, é olhando pelo viés do tanto que temos a fazer junto das populações a que atendemos e também dos colegas de trabalho que impulsiona o desejo de continuar e no final poder dizer: como foi bom poder ajudar e ser ajudado também.

Um projeto é como uma escultura de argila, a qual requer motivação, disciplina, observação, talento, experiência e otimismo.

A visão de um futuro esperado, ajustada à resposta da argila sob as mãos de quem constrói essa imagem. Uma imagem que deve suportar e representar o porquê viemos, por que permanecemos, por que nos importamos. Compaixão é entender que nunca estamos sozinhos.

 

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