Cuidados paliativos para recém-nascidos no Iêmen

Tiago Valim fala sobre a barreira do idioma para a comunicação de diagnósticos que são difíceis em qualquer língua

Cuidados paliativos para recém-nascidos no Iêmen

No meu quarto dia de trabalho no hospital, depois de dois dias de fim de semana (quinta e sexta aqui funcionam como sábado e domingo) em que o pediatra estava de folga, pude constatar que meu primeiro desafio dentre as minhas funções é cuidar de todas as crianças internadas no hospital. Desde recém-nascidos com complicações de parto e infecções pós-parto até bebês um pouco maiores e crianças em idade escolar também com infecções graves, às vezes complicadas por quadro de desnutrição.

O primeiro caso que compartilho é de um bebê de poucos dias de vida, com dificuldades para respirar durante as mamadas. Ele não ganhava peso e estava internado dependendo continuamente de oxigênio. A suspeita era de malformação congênita no coração, que foi confirmada por ultrassom cardíaco que mostrou um defeito bastante complexo. Acredito que, mesmo se fosse um bebê com acesso à medicina de ponta, seria impossível qualquer tratamento curativo.

É difícil chegar para a mãe com esse diagnóstico. Por três dias foram as mesmas respostas para as mesmas perguntas e a barreira estava sempre ali. Não encontrava maneira de a acolher. A linguagem talvez seja o melhor instrumento que temos nessas horas, poder escolher as palavras faz muita diferença. Mas eu falava inglês, o intérprete passava a mensagem em árabe. A comunicação não verbal também é falha. Escolhe-se o tom de voz, a forma de olhar, mas será que ela reparou nisso? O bebê morreu hoje. A mãe parecia triste, mas não inconsolável. Ela acredita que esse era o destino do seu filho.

Acabei de ser chamado para avaliar um paciente recém-nascido que estava sendo reanimado no pronto socorro. Nascido de parto domiciliar após 6 horas de trabalho de parto, pelas mãos da avó, o bebê estava com o cordão umbilical dando três voltas no pescoço. Não chorou após o nascimento, chegou ao hospital depois de 30 minutos, pouco responsivo, respirando com dificuldade. O médico que estava no plantão realizou todas as manobras de reanimação que temos aqui. O bebê não se recuperava e tampouco respirava após 30 minutos de reanimação. O protocolo manda parar. Oxigênio não vai resolver. O que temos a oferecer à família é carregar o bebê no colo nesses últimos minutos de vida. Novamente, sinto as barreiras presentes. Mas, dessa vez, a avó pareceu ainda mais conformada que a mãe do outro bebê.

No Brasil, eu trabalhava em um pronto socorro de um hospital oncológico, onde aprendi muito o que é, porque e como fazer cuidados paliativos. Nunca imaginei que viria ao Iêmen para perceber que até em recém-nascidos podemos utilizar esse conceito tão atual na medicina.
 

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