A descoberta de um novo talento: fazer roupas!

Niangara, 4 de junho de 2013

Faz quase quatro meses que deixei o Brasil e o cansaço já está começando a aparecer. Felizmente, já estou acostumada ao trabalho, já me familiarizei com todas as minhas obrigações e nossa equipe, apesar de pequena, é boa.
Minha jornada começa às 7h30 com uma pequena reunião entre os profissionais internacionais para discutirmos a programação do dia. Às 8h, tenho outra reunião no hospital com todo o pessoal, na qual cada serviço apresenta as novas internações e os pacientes que tiveram complicações durante a noite. É muito interessante porque os enfermeiros sempre fazem perguntas sobre os pacientes e acabamos tendo boas discussões clínicas, que, em minha opinião, é a melhor forma de aprender, porque assim eles se lembrarão do caso e o associarão à teoria.

Depois dessa reunião, em geral, eu e os médicos vamos ver juntos os casos que os enfermeiros apresentaram como difíceis e também temos boas discussões juntos. No mês passado, recebemos dois médicos congoleses recém-formados para estagiarem conosco – como o hospital pertence ao Ministério da Saúde, é uma prática comum mandarem os estagiários para os hospitais de referência para treinamento. Seria como uma residência no Brasil. É muito bom poder “ensinar” os médicos, eles são interessados e gostam de discutir.

Depois, em geral vou para o escritório para ler e responder os e-mails – sempre tem uma infinidade deles – e fazer as coisas administrativas, como analisar a consumação de medicamentos de cada serviço e ver se correspondem às prescrições médicas, analisar os prontuários dos pacientes que foram a óbito (uma vez por mês faço uma reunião para discutir com os médicos e enfermeiros as mortes que talvez pudessem ser evitadas), analisar as estatísticas (número de consultas, taxa de hospitalização, prevalência de malária, etc.) e, claro, fazer relatórios. Toda semana mando relatórios para a coordenação em Kinshasa sobre nossas atividades.

Além disso, no mês passado, colocamos uma enfermeira na maternidade para ser responsável pela neonatologia e agora estou treinando-a para fazer a avaliação inicial dos recém-nascidos e só chamar o médico se for realmente necessário. Estamos investindo o máximo possível no treinamento dos enfermeiros porque depois da partida de MSF, serão só dois médicos para um hospital de 80 leitos que ainda faz cirurgias de urgência (os estagiários só ficam por alguns meses). Ou seja, será impossível para os médicos atender todos os pacientes.

No final de junho, MSF retirará seu apoio dos três centros de saúde e eu já comecei a preparar a lista de todo o material que doaremos aos às instalações e também dos medicamentos. Por um lado é triste saber que MSF está deixando Niangara, mas é muito interessante fazer parte desse exercício de responsabilização da equipe e do Ministério da Saúde, visando um melhor atendimento à população.

Enfim, além da minha rotina diária bem preenchida, duas noites por semana fico de plantão e os enfermeiros me chamam pelo rádio se precisam. Em geral, eles se viram bem, mas, com o aumento dos casos de malária, aumentam também os casos graves e o número de chamadas durante a noite. Adoro a parte prática da medicina, entretanto, confesso que nos últimos dias tenho estado cada vez mais cansada.

Outro fator que contribui para o cansaço é a alimentação não tão boa. No mês passado, os conflitos armados aumentaram na região de Goma (a cidade que tem o vulcão, que é responsável pelo nosso abastecimento) e o aeroporto ficou fechado até a semana passada. Com isso, nosso estoque de alimentos está cada vez mais escasso. Não temos mais nenhuma conserva, temos quatro pacotes de macarrão para o resto da semana e um pouco de óleo. Até a farinha está acabando. A sorte é que, no mercado, encontramos folhas de mandioca (chama-se pundu) que as cozinheiras preparam como se fosse espinafre. É bom e saudável, mas já faz dez dias que comemos pundu com feijão (feijão tem no mercado daqui) e mandioca.

Felizmente, nem tudo é ruim. Quando não estamos envolvidos com o trabalho, temos duas diversões: dançar e fazer roupas.

Todo sábado à noite vamos ao mercado de Clarice (nossa gestionária de estoque que faz de tudo um pouco). Ela coloca as mesas para fora, coloca música congolesa e fazemos a festa entre os profissionais estrangeiros e nossos colegas de trabalho. Em geral, conversamos e dançamos até a meia-noite, nosso toque de recolher. Posso dizer que é um luxo poder sair à noite. No Níger, não podia sair nem de dia; no Sudão, depois das 19 h não podíamos mais sair; e aqui podemos sair e ficar até a meia-noite fora, uma maravilha!

Aos domingos, quando não estou de plantão, vamos ao mercado e a alta costura continua a todo vapor. Temos nosso costureiro particular: papa Jean! Escolhemos os tecidos e dividimos entre nós. Às vezes, procuramos modelos na internet, outras vezes, nós mesmas desenhamos e assim saímos um pouco da rotina de trabalho. Vou precisar arrumar espaço na mala para o meu novo guarda-roupa congolês!

Boa continuação de semana a todos,

Beijinhos,
Rachel

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