A diversidade de Bafatá, na Guiné-Bissau

Daniele Abreu conta como foi coordenar o laboratório e participar de uma campanha de vacinação

A diversidade de Bafatá, na Guiné-Bissau

Já se passou um ano e dois meses. Na verdade, quase três anos desde a primeira vez que trabalhei com MSF. E só agora estou começando a digerir toda a experiência e todo aprendizado que tive a oportunidade de receber.

Minha vivência na Guiné-Bissau foi curta, mas arrebatadora, e me fez entender também meu ano em Moçambique.

Guiné-Bissau, Bafatá, a região dos Fula e dos Mandinga. Região de muçulmanos e de católicos. Lugar em que vivi a maior umidade, o calor mais quente, o suor mais molhado, tomei banho de balde (porque não tinha chuveiro) e o pior cabelo que já tive. Lá, conheci Madalena, que trabalhava de graça no laboratório do hospital, onde, mesmo ele sendo do governo, tudo era pago. Imagina saúde 100% paga? É assim lá. Madalena estava com mais dois rapazes que também trabalhavam de graça em meio a três funcionários do hospital.

Todos no laboratório tinham muito interesse pelo trabalho que eu fazia. Eles cediam o laboratório para nós trabalharmos. Comprávamos insumos e eles não cobravam os atendimentos infantis. Pedi a coordenação uma vaga para profissional nacional, que foi autorizada e fizemos a seleção. Vieram os meninos do laboratório e mais alguns das redondezas. Fizeram prova, entrevista e tiveram seus currículos analisados. Madalena ficou em primeiro lugar! Fiquei tão feliz! Eu também torcia pelos outros, mas Madalena é Madalena. Organizada, rápida, precisa, vontade de aprender, dedicada. Eu sou fã de Madalena. Passei meu último mês treinando-a nas práticas do laboratório, na importância da análise rápida do liquor, na busca nas enfermarias por amostras e na devolução dos resultados, além das planilhas de excel, das estatísticas que deveriam ser entregues semanalmente.

Na minha última semana, com Madalena já dominando toda situação, participei da campanha de vacinação que vi nascer naquela temporada. Campanha grande para cumprir o calendário de vacinação do ano, cobrindo toda a região rural e as mais afastadas de Bafatá, chegando à fronteira com o Senegal. Além do calendário de vacinação, o objetivo era realizar a quimioprofilaxia para malária e reduzir o número de casos de malária grave e de mortalidade infantil na região. Foram muitas contratações de profissionais nacionais para realizar essa campanha. Um enorme trabalho que envolvia autorização do governo; recebimento dos suprimentos; cadeia de frio para armazenamento, transporte e manutenção das vacinas; distribuição das equipes até o local exato de vacinação e o retorno de todos de forma segura ao final de cada dia.
Eu cheguei com o enfermeiro que coordenaria aquela campanha. Um francês lá da fronteira com a Alemanha e que odiava queijo e vinho. Depois veio uma enfermeira portuguesa, gente boa toda vida! Era o braço direito do francês. Eu, ela e uma médica brasileira ficamos muito próximas. Muita troca de experiência.

Havia um médico sueco. Pense num cara “easy going” (tranquilo e bom pediatra). É ele! E também tinha a canadense, as espanholas, a brazuca do laboratório da capital e uma argentina que trago todas no coração. Junto com toda a equipe nacional e internacional de MSF, eu guardo também enorme admiração pela equipe guineense que encontrei trabalhando no projeto, no laboratório do centro de saúde e no laboratório daquele hospital. Eles participaram comigo, Mustafá, Dani e toda equipe do projeto de MSF ativamente, num sábado, em uma campanha de doação de sangue. Também tive ajuda da equipe de promotores de saúde no planejamento e na divulgação da campanha em todas as comunidades (tabancas). Tivemos a rádio comunitária, a divulgação com faixas e o famoso boca a boca para informar da importância da campanha e convocar todos.  Eu nunca tive palavras para agradecer tamanho esforço e dedicação.

Bafatá foi para mim uma experiência de gente! Ver crianças chegarem desnutridas sem nem se mexer e, dias depois, estavam correndo pela enfermaria. Ver um pai deixar por quase um mês seu trabalho e suas outras famílias para cuidar de uma filha de 2 anos de idade foi prova de amor.

Bafatá é diversa, eu tinha um hipopótamo vizinho que morava no rio perto da minha casa. Tinha muitas cobras, insetos estranhos, sapos e a malária que aumentavam com a chegada das chuvas. Mas o mais marcante de tudo isso é que Bafatá tem um povo incrível que nunca vou esquecer e é um lugar realmente especial que rouba mesmo o coração da gente!
 

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