“Fico muito feliz e orgulhosa de ser parte disso tudo”

Foto: Arquivo pessoal

Meu nome é Lais Monteiro Vazami, sou uma psiquiatra brasileira de Médicos Sem Fronteiras (MSF) e, no momento em que escrevo esse diário, estou trabalhando no Iêmen, mais especificamente em Hajjah. Considero-me uma psiquiatra privilegiada por ter a oportunidade de vivenciar um projeto de saúde mental em um contexto tão distinto.

Antes de chegar ao projeto, tinha muitas apreensões com relação às diferenças culturais, à minha aceitação por parte da equipe nacional e dos pacientes. Como seria visto pela população uma mulher estrangeira atuando como psiquiatra? Para minha surpresa, minha adaptação em Hajjah foi muito mais simples do que eu havia imaginado. As diferenças culturais obviamente existem, mas não há uma impossibilidade de diálogo. Tive uma recepção muito calorosa e gentil pelos profissionais locais. Juntos, fomos capazes de lidar com as nossas diferenças e trabalhar de forma árdua pelos nossos pacientes. A tônica dessa sintonia dentro do trabalho foi sempre muito marcada pelo respeito mútuo e pela valorização do conhecimento técnico.

O trabalho tem sido frutífero e gratificante, mas há obviamente muitos desafios relacionados aos cuidados de saúde mental, um deles é a psicofobia – que é o preconceito contra pessoas com alguma condição ou transtorno mental. A população, de uma forma geral, não tem acesso a informações básicas relacionadas à saúde mental, o que gera preconceito e risco aos pacientes, um problema que obviamente não é uma exclusividade iemenita. Cenas de pacientes sendo trazidos para clínica literalmente acorrentados não eram atípicas no início da minha atuação no projeto. A equipe tem trabalhado muito na prevenção desse tipo de situação indigna para o paciente. O devido tratamento de saúde mental, a psicoeducação, a conscientização e também o tratamento do prestador de cuidados, quando necessário, são pontos fundamentais dessa mudança.

Fico muito emocionada de ver o trabalho que a equipe tem feito. O projeto cresceu desde que cheguei, e hoje somos uma grande equipe (psicólogos, médicos, enfermeiros, farmacêuticos, assistente social, tradutora) dedicada exclusivamente ao cuidado de saúde mental (que inclui cuidado psiquiátrico, cuidado psicossocial, psicoeducação, reabilitação de pacientes crônicos). A equipe tem feito um grande trabalho, fico muito feliz e orgulhosa de ser parte disso tudo.

Sempre tive grande admiração por MSF, mas hoje posso dizer que trabalhar com MSF é ter a sensação maravilhosa de estar em uma organização que promove cuidado de saúde de qualidade para as pessoas que mais precisam.

Lais Monteiro Vazami é psiquiatra, brasileira e atuou com MSF na emergência da COVID-19 no Brasil em projetos em São Paulo, na Bahia e no Amazonas. Por sete meses, fez parte da equipe de saúde mental de MSF na província de Hajjah, no Iêmen.

Enquanto a guerra no Iêmen entra em seu sétimo ano, os civis continuavam a suportar o ônus dos combates. As equipes de MSF não fornecem apenas cuidados vitais para pessoas feridas pelos combates, mas também tratam pacientes que sofrem os efeitos a longo prazo da guerra, como transtornos de saúde mental. Para responder às necessidades, em maio, abrimos uma nova clínica especializada em saúde mental no hospital Al-Jomhouri, na cidade de Hajjah, onde fornecemos psicoeducação, sessões de aconselhamento e psicoterapia, bem como cuidados psiquiátricos para pessoas com condições de saúde mental graves.

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