Histórias de busca por refúgio

A psicóloga Patrícia Schmid relembra a história de seus pacientes migrantes detidos indefinidamente na ilha de Nauru

Histórias de busca por refúgio

Ela amou um homem de outra religião, casaram-se, sua família rompeu com ela. Perseguidos e isolados, resolveram fugir, juntando dinheiro para pagar o barco. Ele fugiu primeiro, ela um tempo depois. Ele chegou ao destino almejado. Ela foi capturada pela polícia de fronteiras e levada para um centro de refugiados em Nauru. Estavam separados há cinco anos, mas se amavam ainda assim. Ela fala de saudade, de desamparo, de medo por estar só numa ilha sem seu marido, sua proteção, e todos os riscos que isso implica para ela como mulher. Ela chora, se exaspera, se desespera e mostra as mensagens que troca com ele todos os dias. Ela conta que só vive por esse amor, mas que pensa em morrer todos os dias também. Ela fala de como a estrada perto do aeroporto na ilha é o seu maior desafio. Quando passa ali o desejo de morte a toma de maneira preocupante… Dali, ela vê o avião que a impedem de pegar para encontrar seu amor; dali, ela vê o mar que a trouxe para longe de seu homem. Passando naquela estrada ela pensa que talvez tenha que morrer no mar, por onde chegou, para um dia reencontrar seu amor em outros planos. E ela só não se afoga, porque sabe que ele também tentará se matar. E, por ele, ela sobrevive.

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Ele tem 9 anos e conta que tentou tomar os remédios de sua mãe para morrer porque seu amigo imaginário o mandou fazer isso. Ele guarda um cabo elétrico sob seu colchão para nova tentativa, já que a mãe não o deixou tomar os remédios dela. Ele fala que o amigo imaginário prometeu levá-lo num disco voador para o seu planeta, onde ele poderia brincar, ir para a escola e ter amigos. Só que o amigo também disse que só se ele morresse poderia ser levado para lá. Ele tem 9 anos de idade e desde os 4 anos vive num centro de refugiados, numa ilha longínqua. Os meninos da ilha brigavam com ele na escola, cuspiam em sua comida e outros já tentaram abusar dele sexualmente. Ele não quis mais ir para a escola… Isolou-se em casa. Ele fala sobre a jornada migratória com a família, diz que se lembra dos perigos que passaram e que, apesar disso, sente mais medo de morar na ilha. Ele afirma que seu amigo imaginário garantiu que não haveria mais tanto sofrimento quando ele chegasse ao seu planeta. Ele só precisava conseguir morrer para ir para lá…
 

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