Mabee: quando mudamos o mundo

Logístico de MSF fala sobre participação nas comemorações do Dia Mundial da Aids, em Chipinge, Zimbábue

Mabee: quando mudamos o mundo

No dia 27/05, Médicos Sem Fronteiras (MSF) foi convidada a participar das comemorações do Dia Mundial da Aids, que ocorreriam no longínquo vilarejo de Mabee, junto à fronteira com Moçambique. Globalmente, o Dia Mundial de Luta Contra a Aids é comemorado todo primeiro de dezembro, porém os distritos possuem autonomia para organizar as comemorações livremente. Nas semanas que procederam a data, autoridades locais buscaram suporte ativo das organizações não governamentais que operam no distrito. Em ocasiões como essa, procuramos ajudar como podemos. MSF ficou responsável por fornecer combustível para que pudéssemos deslocar todos os componentes necessários para a realização do evento.

    Como logístico, tratei de coordenar com autoridades locais o suprimento, que conseguimos realizar com êxito através de tambores de combustível. Paralelamente, nossa equipe médica começou a se preparar para realizar diagnóstico e atividades de conscientização sobre o HIV na localidade. Após alguns momentos de discussão, concluímos que o melhor seria desenvolver esse tipo de ação em tendas. Combinamos que montaríamos em Mabee duas tendas, sendo a primeira para diagnóstico de HIV e a segunda para conscientização.

    Enquanto a atividade médica é a alma de MSF, costumo pensar na logística como seu corpo. As ações de nossas equipes médicas são a essência dessa organização, mas apenas com uma logística adequada esses planos são materializados com maestria. Não foi diferente em Mabee. Muito entusiasmo no escritório enquanto organizávamos os movimentos e preparávamos o material. Viagem longa e cansativa, como geralmente acontece em MSF. Apesar disso, são momentos propícios à reflexão. Nos contextos com os quais trabalhamos, isolar-se em seus pensamentos é por vezes necessário.

    Mabee fervilhava. Toda a comunidade local havia sido mobilizada. Contávamos com um público de aproximadamente 2 mil pessoas. Tivemos pressa para montar as tendas, com a equipe logística trabalhando a todo vapor. Após nosso mutirão, estávamos prontos para o início das festividades. As autoridades realizaram seus discursos, e os alunos da escola local prepararam belas apresentações, uma delas direcionada às ONG’s que colaboraram. “Tinotenda”, “Obrigado” em Shona, foi repetido inúmeras vezes durante a canção.

    A equipe médica começou sua atuação. Os moradores locais formaram uma enorme fila ao redor da tenda de MSF, conscientes de que deveriam realizar o exame de HIV. No Zimbábue, usamos um teste que requer apenas uma gota de sange. O resultado fica pronto em cerca de 15 minutos. Nosso time se esforçava ao máximo para preencher os registros, distribuir os resultados e atender todos os interessados. Por razões de segurança, não podemos nos deslocar durante a noite, e o pôr do sol nos indicou que era hora de partir. Começamos a coordenar nossa saída, desmontando as tendas e guardando os equipamentos.

    Entre as pessoas que atendemos, múltiplas reações. Sorrisos, decepções, expressões neutras, confusão. O que sentir quando sua vida muda em 15 minutos? Como profissionais humanitários, nossa tarefa estava concluída, pelo menos naquele momento. Encaminhamos os resultados para a clínica local, para que os pacientes soropositivos pudessem iniciar o tratamento. Em uma tarde, nossa clínica móvel realizou aproximadamente 300 testes de HIV.

    Na volta, mais reflexões. O que fizemos em Mabee pode não ter sido grande em escala, mas significou muito. Mudamos o destino de 300 pessoas. Aos que não têm HIV, fornecemos informação, conforto e orientação para continuar a prevenção. Aos que têm o vírus, resta o tratamento e uma vida completamente diferente. Estava ali a satisfação de sacrificar tanto para estar com Médicos Sem Fronteiras: as ações que organizamos ali podem adicionar décadas na expectativa de vida das pessoas de Mabee. Décadas para ver a família crescer, aproveitar os filhos, acompanhar o nascimento dos netos, viver em comunidade. Naquele momento, cansado e extasiado pelo dia sufocante, aquilo era tudo o que se passava em meus pensamentos. Mudamos vidas. E, quando a gente muda alguém, a gente muda o mundo.
 

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