À margem do rio: atendimento em lugares remotos após o ciclone Idai

A enfermeira Cacy Rodrigues Lima conta sua experiência em Moçambique depois de um desastre natural


À margem do rio: atendimento em lugares remotos após o ciclone Idai

A região onde estive em Moçambique com Médicos Sem Fronteiras (MSF) por três meses, em resposta ao ciclone Idai em 2019, se chama Sofala. É uma província a 400 quilômetros de Beira, onde ficava a coordenação do projeto.

No total atendíamos em cinco localidades, todas bem distantes do centro de Beira. Fazíamos um longo percurso, todos os dias, que levava em média quatro horas (ida e volta), por estradas muito ruins. Felizmente, nossos carros aguentavam qualquer estrada. Como gerente de atividades de enfermagem, tive como objetivos preparar, organizar, treinar equipes e levar assistência para as pessoas nesses lugares.

O meu primeiro desafio no projeto foi encontrar a casa onde seria nossa base de trabalho. Nós precisávamos nos estabelecer em algum lugar que nos desse acesso aonde iríamos apoiar a população que foi retirada das margens do rio depois do ciclone. A cidade não tinha casas disponíveis. A única casa que encontramos, à beira do rio, era bastante rústica e do tempo colonial. Não havia água na torneira e os banheiros ficavam do lado de fora. Felizmente, com a ajuda do gerente de logística, as obras começaram assim que alugamos a casa e o básico necessário para morarmos foi providenciado, embora a água ainda não saísse das torneiras. Tínhamos um grande depósito de água e, com baldes, usávamos o banheiro e lavávamos as louças. Só conseguimos ter acesso a água encanada após a chegada do especialista em água e saneamento, um mês e meio depois.

Enquanto isso, eu e a equipe de administração do projeto fomos responsáveis pela contratação do pessoal de enfermagem, médicos assistentes, distribuidores de medicamentos, psicólogos, entre outros. Nosso propósito era levar cuidados de saúde primária a uma população que perdeu tudo e foi privada de tudo, até mesmo de água.

Em um mês e meio tudo ficou pronto para sairmos com as clínicas móveis.

Tive uma ótima impressão da população. Todos foram pacientes, ouviam as orientações e depositaram confiança em nossos profissionais locais. Foi extremamente gratificante e comovente ver como nossa equipe se empenhou em levar atendimento responsável e de qualidade para a população. Ela foi incansável. Diariamente, o número de atendimentos variava entre 100 e 200 pessoas. Todo mundo era atendido individualmente, com respeito e carinho. Eu fiquei muito orgulhosa de ter selecionado estas pessoas. Elas respeitaram os princípios de MSF e sentiram orgulho de trabalhar conosco.

Para mim, a maior dificuldade foi ser a única pessoa de fora do país durante esses três meses. Tivemos dois especialistas em água e saneamento internacionais que passaram por lá rapidamente.

A atuação de MSF trouxe considerável benefício para a população. Muitos casos de HIV foram diagnosticados, tratamentos foram iniciados, crianças desnutridas receberam atendimento, muitas mulheres tiveram acesso a planejamento familiar, pacientes hipertensos e diabéticos começaram tratamentos aos quais não tinham acesso e casos mais graves foram encaminhados para hospitais locais.

A nossa atuação foi vital para esta população.

Obrigada, MSF, por ter me dado esta oportunidade.

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