No auge da crise humanitária em Bangladesh

A enfermeira Marina Barardi conta sobre sua experiência nos campos de refugiados rohingyas

No auge da crise humanitária em Bangladesh

Minha terceira missão com MSF aconteceu em Bangladesh, país asiático rodeado pela Índia. A primeira impressão que tive ao chegar à cidade de Cox’s Bazar era de que a ajuda das organizações humanitárias não era suficiente para atender os centenas de refugiados rohingyas, que chegavam todos os dias fugindo de Mianmar por uma perseguição política um tanto quanto nebulosa.

O campo era impressionante, no sentido do tamanho, da quantidade de refugiados (no período que estive lá, já eram mais de 600 mil pessoas) que chegavam todos os dias, trazendo no máximo uma pequena trouxinha de pertences pessoais. Montavam suas casas com bambus, folhas de bananeiras secas e palha. As casas mais abastadas tinham o chão de barro coberto com um tapete, trazendo um ar de conforto para o improvisado lar.

Um dia, conversando com Mohamed, um dos ajudantes voluntários, ele me conta um pouco de como foi sua travessia da fronteira e de seus familiares, caminhando por 15 dias, quase sem parar mesmo para se alimentar. Idosos, crianças, gestantes… Fiquei sem palavras.

O nosso trabalho era inicialmente ter a estrutura física, os materiais e as condições mínimas necessárias, como por exemplo ter pontos de água para lavar as mãos, latrina, mesa, cadeiras etc. Profissionais de várias áreas chegavam quase todos os dias. O trabalho estava indo a todo vapor em virtude da necessidade extrema de assistência que os refugiados necessitavam. MSF construiu quatro postos de saúde e, para ir de um ao outro, eu tinha que subir e descer colinas, passar pelos campos de arroz. O sol parecia que ficava cada dia mais forte.

O dia passava num piscar de olhos, a hora do almoço passava e quando você se dava conta já era hora de encontrar o grupo na beira da estrada, onde o carro passava para nos buscar no final da tarde.

Os dias eram cheios, muitos atendimentos de gastroenterites, infecções de pele, sarampo, desnutrição, os casos graves encaminhávamos para o hospital no centro da cidade. Muitos materiais ainda nos faltavam e isso gerava um sentimento de frustração, por impossibilitar que você faça um atendimento completo. Mas aí, de repente, você muda o foco e percebe que o pouco que pode fazer em determinadas condições já é bastante e que aqueles pequenos detalhes como um toque, um sorriso, fazem parte do atendimento e do cuidado. Você percebe a diferença que isso faz quando recebe de volta aquele olhar meigo e agradecido do paciente indo de volta para casa. Também me confortava muito saber que o paciente está recebendo uma medicação para aliviar sua dor e recebendo um atendimento com condições de higiene.

Percebia que mesmo em tais condições, haviam sim muitos sorrisos, olhares amigos, e às vezes eu me questionava como é possível em meio a tantas condições adversas ter também uma motivação quase inexplicável de recomeçar. Nessa hora, nosso banho frio de caneca passa a não ser mais um problema.
 

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