“No fim, você só quer oferecer cuidado de qualidade para a população”

Foto: Arquivo pessoal

A farmacêutica clínica de MSF, Luísa Nogueira, compartilha sua experiência ao atuar em Malakal, no Sudão do Sul, o país mais novo do mundo.

Oi, gente! Eu sou a Luísa, sou farmacêutica clínica e atualmente estou em Malakal, no Sudão do Sul, o país mais novo do mundo. Vim para Malakal no finalzinho de março, com a expectativa de ficar seis meses por aqui, porém, fico por sete meses, uma extensão de um mês para cobrir uma mudança importante em meu departamento.*

Este é um grande projeto: temos dois hospitais em lugares diferentes, um time diverso e de alance e oferecemos diversos tipos de atendimentos de saúde aos pacientes: prestamos cuidados de emergência, saúde mental, internação pediátrica, neonatal e adulta. Atuamos ainda com pacientes com diagnóstico de infecção por HIV/TB, desnutrição, ferimentos, entre outros.

Diante disso, já dá pra ver que um grande desafio é manter o tratamento para todas essas especificidades, principalmente os medicamentos para o tratamento da infecção da HIV e das hepatites. O fato de administrarmos dois hospitais em localizações geográficas distintas também é um desafio, e não só para a farmácia. Ambos os hospitais têm perfis muito diferentes e nos desafiam a criar estratégias inovadoras e distintas para cada um deles. É claro que enfrentamos aqueles desafios inesperados, mas a boa notícia é que o time é ótimo e sempre trabalhamos em equipe para superarmos nossas dificuldades.

Bom, como farmacêutica estou aqui para fazer toda a gestão da cadeia medicamentosa, então participo do processo de seleção e do pedido de medicamentos, e esse é um grande desafio porque precisamos fazer uma programação adequada para dois meses, e aí não podemos esquecer nossas doenças sazonais como a malária, por exemplo, e pensar nas nossas programações como time.

Armazeno e distribuo os medicamentos e materiais, e procedemos com a dispensação para os hospitais. Para cada uma dessas etapas, fazemos o que nos é obrigatório da profissão como inventários, como os cuidados com a nossa cadeia fria (sistema de conservação, manuseio, transporte e distribuição de produtos com temperatura controlada) e o acompanhamento de registros. Aqui, faço algumas atividades relacionadas à clínica, acompanho alguns pacientes específicos, temos um programa sentinela, e avalio prescrições de antibióticos para o programa stewardship (conjunto de intervenções coordenadas para melhorar e mensurar o uso apropriado de antimicrobianos). Mas as atividades clínicas e de gestão são complementares, e não é possível fazer uma boa gestão sem aquele olharzinho especial da clínica.

Quando cheguei, já percebi que seria um projeto bom de trabalhar, uma equipe incrivelmente receptiva, tanto a equipe que me recebeu, em Juba, quanto o meu time em Malakal. Os profissionais locais são muito importantes aqui, foram eles que mais me apoiaram na minha chegada, e eu sou muito grata a isso. Mas é claro que a vida é diferente, então seguimos as regras de segurança, vivemos de maneira justa e aprendemos a lidar com as nossas diferenças culturais e de estilo de vida. E o que faz ser mais fácil é a nossa convivência diária, nossos programas diferentes, cozinhamos juntos, temos nossas noites de jogos e “cinema”, criamos amizades com outras pessoas de instituições humanitárias diferentes.

Ainda assim, já chorei por aqui, chorei pelo trabalho e pela vida pessoal… Chorei por passar datas importantes longe da minha família, pela saudade dos meus familiares e amigos. E já chorei pelo trabalho, chorei pelas minhas rupturas, pelos pacientes que queríamos tratar e não tínhamos o que fazer, e esse é o grande desafio. No fim, você só quer oferecer cuidado de qualidade para a população.

Mas no final, o saldo é positivo, ganho experiência como profissional, uma experiência indescritível e diária, me sinto respeitada e parte desse time, ganho amigos, convívios e conversas que são fundamentais, ganho tolerância, esperança e, no fim, tenho certeza que escolhi a instituição certa para estar e trabalhar.

Nos hospitais de MSF administrados em Malakal, a última Unidade de Proteção Civil sob a administração da Missão da ONU no Sudão do Sul (UNMISS), nossas equipes tratam de doenças e enfermidades evitáveis causadas pelas condições de vida difíceis.

* Data referente ao momento da elaboração do diário de bordo, realizada em agosto de 2022. Luísa deixou o Sudão do Sul em outubro do mesmo ano.

 

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