A Nubia enfermeira e a bebê Nubia

A enfermeira brasileira Nubia Aguiar trabalhou no surto de Ebola em Guiné em 2015 e relembra aqui uma das passagens mais tocantes durante a epidemia

A Nubia enfermeira e a bebê Nubia

A mãe da bebê Nubia

Lembro-me do seu olhar assustado ao chegar a primeira vez na triagem do Centro de Tratamento Ebola. Ela tinha medo, não fornecia as informações necessárias, omitia as respostas das perguntas feitas. Seu medo era normal, de quem não entendia a doença que supostamente tinha, temia falar dos outros filhos que deixou em casa, não explicava bem o que sentia, omitia os sintomas, não queria entrar para fazer o teste, temia o que poderíamos fazer com ela lá dentro. “A população dizia que todos que entravam lá morriam…”

Mesmo assim, ela tinha um sorriso bonito. O nervoso que carregava com ela foi diminuindo após uma longa conversa. E então, o sorriso foi ficando mais natural ao constatar que só queríamos o seu bem. Após entrar no isolamento para tratamento foi aos poucos confiando, aceitando as orientações e explicando mais de sua família e dos filhos que claramente eram suspeitos de terem contraído a doença.

Infelizmente, essa jovem e bonita mulher faleceu algumas horas após dar à luz uma menina. Teve complicação pós-parto e mesmo com todo esforço não havia possibilidade de sobreviver. Antes de falecer, perguntou se a bebê vivia, foi explicado que sim e que era uma menina.

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Cheguei em Guiné em setembro de 2015. Mesmo tendo informações sobre o projeto de Ebola antes de chegar ao país, é chocante no início.

Lembro-me que quando vi o vidro de separação entre pacientes e a equipe (necessário nesse contexto), senti-me impotente e distante do paciente. Com o passar dos dias, percebi que na verdade isso nos aproxima do paciente que está em isolamento. Através do vidro conseguimos nos comunicar e ver se há alguma alteração. Além disso, o paciente não se sente tão sozinho porque conversa conosco e consegue pedir algo que queira.

Havia uma paciente que veio com seu bebê. Cuidamos dela porque tinha Ebola, mas seu bebê não foi contaminado, então cuidávamos dele separadamente. Quando ela saiu bem, foi lindo ver o reencontro dos dois, que só se viam à distância.

O parto e a escolha do nome da bebê Nubia

Recebi uma ligação da equipe na madrugada, dizendo que a paciente estava com dores. Avisei a responsável médica da equipe, tentamos contato com um ginecologista – porque não temos um em nossa equipe –, mas não tivemos sucesso. Fomos assim mesmo para lá o mais rápido possível. Quando chegamos, a criança já havia nascido, estava viva e as duas pacientes – mãe e filha – recebendo os cuidados da equipe. Infelizmente, a mãe teve complicações e foi atendida depois pelo ginecologista. Porém, não resistiu. Foi muito triste porque ela era bem jovem e tinha toda a vida pela frente.

É costume em Guiné decidirem o nome da criança somente sete dias depois do nascimento. Os profissionais nacionais de MSF disseram que decidir o nome da criança era importante para a família, então a chamamos – os tios que moram na cidade, pois o pai mora bem longe – e também a tia que estava como acompanhante. Todos estavam presentes e olhavam de longe para a bebê porque não podiam se aproximar.

Então, fizeram um ato cerimonial, com oração, e falaram que o nome seria Nubia. Fiquei emocionada e ao mesmo tempo bastante surpresa, porque não esperava por aquilo. Fiquei muda e estática e a única coisa que consegui dizer foi um discreto obrigada enquanto todos faziam a maior festa.

Depois me falaram que foi a tia que já estava conosco há algum tempo como acompanhante que deu o nome… Na verdade, eu fui a primeira pessoa estrangeira com quem ela teve contato no momento de sua chegada. Vejo que foi a forma que eles tiveram de agradecer a toda a equipe o cuidado que estávamos tendo. Mesmo tendo perdido a mãe da criança, estavam gratos à equipe.

A bebê Nubia não é a primeira bebê a nascer viva. Porém, em geral, os recém-nascidos de mães com Ebola morrem poucas horas ou dias após o nascimento. Essa bebê sobreviveu, lutou para continuar viva e agora está curada. O fato de ela sobreviver foi inédito. Ela foi monitorada e acompanhada todos os dias com exames e avaliação médica. Como era um fato inédito, não sabíamos como o organismo responderia ao tratamento que ela recebeu.

O dia da saída da Nubia do Centro de Tratamento de Ebola foi emocionante. Estavam presentes o pai, o casal de tios que irão cuidar dela e um outro tio. Nós, da equipe multidisciplinar, fizemos a maior festa. Tiramos muitas fotos enquanto vestiam a bebê com um lindo vestido. Foi emocionante vê-la partir recebendo o amor de sua família. Apesar de todo o amor que todos nós temos por ela, não é o mesmo amor que ela teria a partir dali com seus familiares. Desejo longa e feliz vida para essa linda bebê. Muito feliz por ela ter meu nome, assim faço parte de sua história.
 

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