Pela estrada afora em Huambo, Angola

Enfermeira de MSF oferece cuidados a pacientes de febre amarela em comunidades rurais no interior do país

Pela estrada afora em Huambo, Angola

Sou enfermeira e acabo de voltar de meu primeiro projeto com Médicos Sem Fronteiras (MSF). Cheguei a Angola em abril deste ano para ajudar nos cuidados de pacientes com febre amarela. Os três meses que passei lá foram uma experiência enriquecedora, pelo contato intenso com a população local e sua cultura.

Fiquei em Huambo, uma cidade no centro do país, a quase 600 quilômetros da capital, Luanda. Minha equipe era formada por uma médica, duas enfermeiras, um logístico e o coordenador. Minha tarefa era visitar os hospitais municipais da periferia da cidade, avaliar os pacientes de febre amarela e ver se estavam recebendo o tratamento adequado, segundo o protocolo de MSF. Eu precisava acompanhar cada paciente até sua alta. Se um paciente já estivesse em estado grave, eu o encaminhava para o hospital central de Huambo, onde dispúnhamos de cuidados mais intensivos. 

Eram 13 hospitais de periferia, o que dava uma média de dois a três hospitais visitados por dia. O mais distante ficava a quatro horas do centro da cidade. O interessante é que nos trajetos entre um hospital e outro pude conhecer a região de Huambo, que é linda, cheia de belezas naturais. No caminho também vi coisas tristes, curiosas e surpreendentes: por exemplo, uma família de cinco pessoas em uma moto, todos amontoados, um quase em cima do outro. Depois, fui descobrindo que esse era o único meio de transporte para muitas famílias do lugar!

Na estrada eu também via muitas mulheres com aquelas roupas muito coloridas, uma bacia enorme na cabeça (que não sei como conseguem equilibrar!), vendendo frutas, pães e outras coisas artesanais. Com os panos elas fazem uma espécie de sling para carregar o bebê, só que nas costas. É muito comum, quase todas as mulheres andam assim. É impressionante a quantidade de crianças e bebês, acho que 95% das mulheres carregam pelo menos um bebê nas costas amarradinho com esses tecidos coloridos, mais uma criança em cada mão. Reparei também que as mulheres (de qualquer idade) tem a coluna bem retinha, porque têm que equilibrar aquelas bacias cheias na cabeça; se entortarem, a bacia cai….

Como os trajetos era muito longos, eu almoçava no caminho mesmo. Comia o que aparecia, sem medo, o que me proporcionou experimentar o gosto da cultura local: uma combinação que eles usam muito é a de abacate com mandioca na brasa (parece estranho, mas até que é gostoso). Em todas as refeições eles comem o funge, uma espécie de polenta feita com farinha de mandioca.  Para beber, usam muitas raízes e plantas naturais.

Em Huambo existem muitos rios, e as comunidades se desenvolveram perto deles. As mulheres lavam a roupa nesses rios, e estendem nas pedras para secar. As casas no interior são todas de adobe (barro com palha), sem eletricidade. A água é de poço.

Também participei de algumas reuniões de sobas, os líderes comunitários de lá. Apesar da simplicidade e da cordialidade, eles fazem questão de seguir certas formalidades. Usam uma espécie de uniforme e são respeitados pela comunidade. As reuniões eram em umbundu, o idioma local, mas os sobas mostravam preocupação em se comunicar comigo e traduzir o que estavam discutindo, o que me fazia sentir respeitada e incluída no grupo.

Todos os pacientes foram marcantes para mim; lembro até hoje de seus nomes e de suas histórias. Mas um caso que me marcou especialmente foi o de um bebê de três meses que encaminhei para o hospital central de Huambo. Quando o encontrei, ele estava desnutrido, desidratado e com sinais e sintomas da febre amarela, um quadro bastante delicado. Foi difícil convencer a mãe de que eles teriam que ser transferidos para o hospital central; ela não queria e foi um pouco contrariada. O bebê ficou internado por três semanas. No momento da alta, a mãe não queria mais ir embora. Disse que queria ficar morando no hospital, porque foi tão bem acolhida e tratada por toda a equipe!

O que mais me encantou, de uma forma geral, é que apesar de todo o histórico da sofrida colonização, das influências de consumo da televisão e dos meios de comunicação em geral, e das dificuldades que o povo enfrenta, a identidade cultural é muito forte e marcante. Você não precisa ser um exímio observador para perceber e se encantar com tão bela cultura, presente nas minúcias cotidianas.

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