Pondo o foco no lugar certo

O brasileiro André Isidio fala sobre sua experiência de nove meses como responsável logístico do Pool d’Urgence (Pool de Emergência) de MSF na República Democrática do Congo

Pondo o foco no lugar certo

Algumas experiências são difíceis de se compreender e ainda mais de se descrever. Nessas situações, o tempo pode ser um grande aliado. Não foi diferente quando pensei em escrever algo sobre meus nove meses como responsável logístico do Pool d’Urgence Congo (PUC) de Médicos Sem Fronteiras (MSF), na República Democrática do Congo (RDC). A princípio, não sabia nem por onde começar.

Quantas vezes já não nos esquecemos das razões que nos motivam? Ou perdemos o rumo daquele alvo que tanto almejamos, daquele sonho? Perdidos em meio a tanto trabalho, em uma rotina alucinante, é relativamente fácil que isso aconteça. Mas mais importante do que evitar que isso aconteça, é nos lembrarmos daquilo que nos move interiormente. Afinal, não quero chegar ao fim de minha vida, olhar para trás, e ver que não tive a coragem, que o medo do fracasso me impediu de tentar realizar aquele sonho de infância. Creio que todos têm um sonho, um projeto para realizar, uma música para dançar.

Como responsável pela logística do PUC, deve-se garantir a prontidão para responder às emergências potenciais em grande parte do território congolês; planejar, avaliar e coordenar as operações logísticas; gerir recursos humanos, materiais e financeiros; participar de reuniões; manter contatos importantes… O que notei foi que, com tantas atividades, era fácil me esquecer do porquê estava ali, da razão de todo aquele trabalho. Então, sempre que podia, dedicava tempo para ir a campo, acompanhar o tratamento de pacientes, ver o trabalho nas comunidades mais distantes.

A riqueza das experiências de trabalho em lugares muito distintos da República Democrática do Congo, nos mais diversos contextos, trabalhando com pessoas de cultura, formação e experiências diferentes, fizeram desse um dos projetos mais desafiadores, incríveis e maravilhosos dos quais já participei. De uma vacinação de mais de 100 mil crianças no meio da RDC a uma intervenção no combate a uma epidemia de cólera com mais de 3 mil pessoas tratadas em uma zona rural, os desafios são enormemente diferentes. Transportar vacinas por avião, carro, moto, barco ou a pé sem romper a cadeia de frio, garantir o transporte de materiais e a mobilidade das equipes em zonas de difícil acesso com meios de transporte seguros e adequados, prover instalações para abrigar as equipes e as atividades médicas em tempo recorde, assegurar a possibilidade de comunicação das equipes todo o tempo e a disponibilidade de água e de energia são apenas alguns dos desafios diários.

Todo esse trabalho perderia seu sentido se as pessoas assistidas por MSF não fossem recebidas com dignidade, respeito, amor. Portanto a importância fundamental de não perder de vista o paciente. Era também no contato direto com as populações atendidas que minhas energias eram renovadas. E, nesses momentos, um sorriso era o bastante para que todo o desânimo sumisse, todos os problemas se apagassem e a paixão pelo trabalho humanitário renascesse. E sentia a gratidão de poder estar vivendo aquele momento mágico, certo de estar dançando a minha música.

André Isidio de Melo

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