Rachel atuando em dose tripla

Gogrial, 2 de setembro de 2012

Impressionante como o tempo passa rápido. Mais um agosto que se foi.

As duas últimas semanas foram uma correria. Tive uma febre com dores nas articulações, calafrios e náusea. No primeiro dia, trabalhei arrastada, sentando a cada cinco minutos e à noite não consegui dormir de tanto mal estar. Minha pressão foi a 70/45 (o normal é 120/80). Tomei três litros de solução de reidratação e a italiana preparou uma janta para mim e veio trazer no meu quarto. No segundo dia, estava um pouco melhor, mas, ainda com febre e dores musculares, fiz o meu paracheck (o teste rápido para malária) e deu negativo. Ainda acho que foi malária e, como estou tomando a profilaxia (o remédio para evitar a doença), o parasita não conseguiu ir muito longe… Nunca tive nada parecido. Foi um horror. Mas, no terceiro dia, já estava melhor.

Na semana passada, o chefe médico teve que ir para a capital (Juba) para o planejamento do próximo ano e eu fiquei no lugar dele, resolvendo todas as coisas administrativas e também fazendo o meu trabalho de supervisão dos clínicos. O cirurgião também foi embora e o novo ainda não chegou. Como a Lei de Murphy não falha, recebemos seis pacientes feridos por arma de fogo esta semana e eu fui chamada todas as noites para resolver problemas. Justo eu, que adoro (para não dizer outra coisa) trauma, fui acordada diversas vezes para chegar no PS  e ter que estabilizar pacientes sangrando e suturar (quando possível). Perfeito!

Ninguém merece morar no hospital; é muito cansativo. É engraçado porque aqui eu posso correr, posso ir para as cidades vizinhas para fazer compras, mas não tenho tempo. Estou sempre trabalhando 14 horas por dia e, quando tenho tempo, o máximo que consigo fazer é correr. Estou aqui há quase três meses e saí daqui duas vezes desde que cheguei. Realmente, a ideia de liberdade é muito relativa, porque no Níger tinha muito mais tempo livre do que aqui, mas não podia sair nunca; aqui, que poderia sair para espairecer um pouco, não tenho tempo.

Vou resumir um dia na minha rotina: acordo antes das 6h para fazer minha yoga (este é o momento sagrado no meu dia) e tomo meu café (temos café de verdade por aqui. Vem do Quênia ou de Uganda, mas é muito melhor do que o que encontrávamos no Níger); às 8h, temos uma reunião geral com todo o staff para atualizações do que está acontecendo em cada departamento (médico, logístico e administração); depois temos outra reunião com o departamento médico, a qual eu sou responsável por conduzir, para, então, começarem as visitas, eu e o clínico, às enfermarias. Quando cheguei, tínhamos cerca de 30 pacientes em todas as enfermarias. Agora, temos mais de 60 para um único clínico e ainda a enfermaria de desnutridos. Tenho ficado com eles na enfermaria de desnutridos para treiná-los, porque é tudo novo para eles. Nas outras enfermarias, estou realizando consultas na de adultos e o clínico na de pediatria e vice-versa; discuto com o clínico sobre os casos em que eles pedem ajuda e compartilho com todos eles os casos mais interessantes.

Como sou a única médica, me chamam no PS e nos ambulatórios para discutirmos os casos difíceis. Por isso, na maioria das vezes, só consigo almoçar depois das 15 h. Sou a responsável pelas estatísticas do PS, então, tenho que checar os registros e colocar os dados no computador. Também estou resolvendo muita burocracia para o chefe médico, que está fazendo o trabalho dele e o de chefe do projeto.

A cada três noites fico de plantão e, se o clínico recebe algum caso difícil ou algo mais complicado, ele me chama e, mesmo se ficar acordada até 3 h na enfermaria, no dia seguinte tenho que estar às 8h nas reunião geral e depois continuar minhas atividades…

Tenho a impressão de que a malária aqui não é tanta como no Níger. Talvez seja porque só temos uma clínica fora de Gogrial, enquanto no Níger eram cinco. Também temos bastante casos de pneumonia, tanto em adultos como em crianças. Na semana passada, todos os nossos concentradores de oxigênio estavam sendo utilizados e fizemos uma ginástica para conseguir colocar três crianças no mesmo aparelho.

Termino meu dia por volta das 20h30, completamente exausta… Às vezes, não tenho ânimo nem para comer. É banho e cama. Apesar de ter wi-fi por aqui, quase nunca vou para a internet, porque não tenho energia.

Compartilhar