A saúde mental nos presídios do Malaui

As condições precárias de vida se somam à injustiça : muitos presos sequer cometeram crimes ou foram ao menos julgados

A saúde mental nos presídios do Malaui

Nsima é o nome do prato à base de milho, que é a única refeição do dia oferecida aos presidiários das duas maiores prisões do Malaui: Chichiri e Maula. Não à toa, logo na minha primeira visita a uma delas, fui interrompida para que a equipe de Médicos Sem Fronteiras (MSF) atendesse um paciente caído no chão do ambulatório, fraco e sem forças para andar. Um rapaz jovem, mas de aparência esquálida, com todos os ossos do corpo em evidência, sinais de pelagra na pele e fundas covas em seu rosto. Nunca, em toda a minha vida, havia visto alguém tão magro. Foi quando me dei conta de que o trabalho com saúde mental ali seria diferente do que tudo o que eu poderia imaginar.

Na mesma semana, pedi para conhecer o interior das celas de outro presídio, para entender melhor como viviam aqueles homens. Ao pisar lá dentro, minha primeira reação foi a de retroceder. O cheiro forte de urina misturado às fezes e suor era insuportável para mim, mas sabia que se desistisse naquele momento perderia a confiança dos presidiários e precisava seguir adiante. Entrei a duras penas, e o que vi me pareceu uma cena de um filme de terror. Não havia ventilação, nem camas, ou qualquer rastro de algo que desse um mínimo de privacidade àquelas pessoas. Em plena luz do dia, o ambiente era escuro e fúnebre e o calor, sufocante.

Sem camas para deitar, só há aos encarcerados a opção de dormir no chão, mas, para piorar a situação, as celas estão tão lotadas que eles não conseguem deitar e dormem todos sentados, segurando seus joelhos com as mãos e apoiando-se uns nos outros. Muitos acabam desistindo de dormir à noite e passam a dormir de dia, quando as celas estão abertas e eles podem deitar no pátio, mesmo que sob o sol africano.

Como avaliar a saúde mental dessas pessoas, numa condição como essas? A sensação que eu senti, logo nos primeiros dias, era de impotência. O que poderia eu fazer diante daquela situação de tantas violações a direitos humanos básicos? As denúncias já vêm sendo feitas por MSF e, enquanto medidas oficiais não são tomadas, a mim só resta trabalhar para dar um mínimo de conforto a essas pessoas que, em sua grande maioria, sequer foram julgadas ainda. Estão ali por crimes que talvez nem tenham cometido, o que torna toda a situação ainda mais grave.

Isso sem falar na quantidade de imigrantes etíopes, que cada vez mais ocupam as prisões do Malaui pelo único "crime" de tentar fugir da miséria e da fome. Desde que a Europa fechou as portas para os refugiados africanos, restou a essas pessoas tentar a sorte no país mais rico do continente: a África do Sul. Para alcançar o objetivo, eles precisam atravessar as fronteiras do Malaui, mas muitos acabam sendo presos por estarem ilegalmente no país. A maioria deles não fala inglês, nem chichewa (a língua local) e enfrentam grandes dificuldades dentro do presídio.

Todas essas questões rondam minha cabeça desde que cheguei ao país e terei três meses para tentar fazer algo que tenha algum impacto dentro dos presídios. Enquanto psiquiatra, espero encontrar formas de trabalhar a saúde mental dessas pessoas, mesmo nessas condições ambientais tão degradantes. Enquanto ser humano, espero o dia em que tenhamos um sistema criminal mais justo, em que prender não seja a única alternativa a crimes cometidos em decorrência da absoluta desigualdade social.

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