“Tenho gratidão por ter me comunicado através de sorrisos, gestos e olhares”

Foto: Arquivo pessoal

A coordenadora de projeto de MSF, Daniela Cerqueira, compartilha suas impressões ao atuar em Maiduguri, na Nigéria

Conta a história que o povo de lá sempre foi acolhedor. Que todas as pessoas eram bem-vindas na cidade. O estado de Borno é formado em sua maioria pela etnia dos Canúris, mas encontra-se também um número grande de Hausas e Fulanis. O país é majoritariamente mulçumano e cristão, e foi em um estado mais ao sul chamado Ifé onde nasceu a etnia Iorubá, raiz da Umbanda e do candomblé brasileiro. Onde trabalhei na Nigéria, a grande maioria é muçulmana. O país é apelidado como o gigante da África, devido à sua grande população e economia. Atualmente, as pessoas vivem em uma cidade cercada por uma trincheira de aproximadamente seis metros, dificultando a entrada de alguns grupos extremistas e, hoje, é cercada e comandada por militares. Esta é uma guerra violenta que desde 2009 afeta a forma de se viver dentro desta “bolha” chamada Maiduguri, na Nigéria.

Sou coordenadora e responsável pela parte estratégica de segurança, advocacy e funcionamento de todas as atividades envolvidas dentro de um projeto. Sou a pessoa responsável pelo projeto como um todo, além de liderar toda a equipe. Neste caso, nossa equipe é composta por 21 profissionais internacionais móveis e 770 profissionais contratados localmente. Agradeço à equipe de Maiduguri!

A bandeira nigeriana é constituída por três faixas, duas laterais na cor verde, que simbolizam a agricultura, e uma faixa central na cor branca, que faz menção à paz e à união. Mas em Maiduguri, a fome é real. Doenças como desnutrição, cólera, sarampo, malária e muitas outras fazem parte da vida das pessoas. Bem como as histórias de violência e o risco real e iminente no dia a dia. Sua grande maioria segue a religião muçulmana, e seus líderes tradicionais são chamados de Bulama (chefe da terra), Lawan (chefe do vilarejo) e Ajiya (chefe do distrito). Eles são bastante respeitados dentro da comunidade e são unicamente homens. Nosso projeto trabalha com desnutrição severa, cólera, saúde sexual reprodutiva e estamos construindo um hospital. Tratamos muitas pessoas em Maiduguri, muitas.

O homem é considerado o provedor total e absoluto para esposas, filhos e parentes, quando necessário. Muitas mulheres trabalham, mas não são responsáveis por qualquer pagamento dentro de casa, se não quiserem. Muitas vezes guardam consigo a quantia que recebem dos seus trabalhos, ajudam seus familiares ou investem. Antes de casar-se, elas trazem seus móveis, e eles providenciam o lugar de morar.

Eu tive a sorte de compartilhar momentos incríveis com pessoas maravilhosas dentro dessa “bolha” e que me inspiraram a conhecer mais suas raízes, sua cultura, me fazendo descobrir pessoas absolutamente cheias de histórias e de lutas. Tenho gratidão por ter me comunicado através de sorrisos, gestos e olhares.

 

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