“Torço muito para que o Afeganistão possa celebrar a paz como o povo celebra a vida”

Foto: Arquivo pessoal

Hugo Renato compartilha sua experiência como gestor de recursos humanos no Centro de Trauma de MSF em Kunduz, no Afeganistão.

Comecei a trabalhar com Médicos Sem Fronteiras (MSF) no auge da COVID-19 em 2020, um evento devastador na minha cidade natal, Manaus/AM. De lá me aprofundei bastante na vida humanitária por dentro das vivências dos meus colegas, dos mais diversos pontos do mundo, e fui me interessando até ter a coragem de aplicar para o processo de expatriação e ser aceito, tendo como local da minha primeira missão internacional a cidade de Kunduz, no Afeganistão.

Meu papel como Gestor de Recursos Humanos em Kunduz é gerenciar a equipe do novo Centro de Trauma de MSF na cidade, composto por em média 400 staffs nacionais, profissionais afegãos dos mais diversos campos profissionais. MSF não é só médicos, enfermeiros e farmacêuticos, entre outros profissionais de saúde. Para que tenhamos uma estrutura hospitalar decente, os mais diversos perfis profissionais são necessários: administração, finanças, logística, suprimentos e mais.

Por mais que envolva uma carga esperada de burocracia, a abordagem de MSF como RH, não só no Afeganistão mas em qualquer outro país, é baseada no desenvolvimento pessoal do nosso staff. Cuidamos de capacitar nossos profissionais de maneira que os mesmos se sintam empoderados o suficiente para exercer suas tarefas diárias e assim, prover o melhor serviço para os beneficiários finais, as pessoas que necessitam de nossos cuidados.

Mas, falando sobre staff nacional como os “humanos” dentro dos “recursos humanos”, o povo afegão tem sido incrível desde o momento em que cheguei aqui. A hospitalidade afegã é irreal, todos são extremamente gentis e distribuem sorrisos o tempo todo. Aqui em Kunduz curiosamente existiu uma grande rotatividade de expatriados brasileiros nos últimos anos, então todos já estão habituados com a nossa presença. O motorista local que me buscou no aeroporto me recebeu com um “Oi amigo”, que ele aprendeu com um brasileiro que trabalhou com ele em meados de 2019.

Grande parte desses profissionais que trabalham conosco vêm desde o antigo hospital de MSF em Kunduz que sofreu um bombardeamento em 2015 e teve todas as atividades encerradas no mesmo ano. Eles vivenciaram o horror que foi ter o local de trabalho destruído de um dia pro outro, e a perda de vários colegas que convivem numa base diária. Isso já adiciona por si só uma camada extremamente delicada de humanidade nesses profissionais que já passaram por tanto.

Hoje o país vive num momento mais tranquilo – praticamente nenhuma entrada no nosso hospital decorrente de guerrilhas ultimamente – porém a tensão ainda paira no ar. Eu verdadeiramente torço muito para que um dia o Afeganistão possa celebrar a paz sem qualquer questionamento, da mesma maneira que o povo celebra a vida, dia após dia, em suas rotinas árduas, porém satisfatórias de trabalho e trocam sorrisos nos corredores do complexo hospitalar durante as trocas de turno. E espero acompanhar e dar suporte para o desenvolvimento – pessoal e profissional – de todos durante o tempo em que eu ficar por aqui.

Hugo Renato atuou no projeto de resposta à COVID-19 em Manaus, Amazonas, e desde novembro de 2021, atua no Centro de Trauma de MSF em Kunduz, no Afeganistão.

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