Tratando a tuberculose no Quirguistão

Infectologista brasileiro fala sobre experiência trabalhando em projeto de MSF no país

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Estou em Osh no Quirguistão, a segunda maior cidade deste país da Ásia central, uma república democrática que foi parte da União Soviética e sofreu um grave impacto econômico com o seu fim em 1991.

Aqui faz muito frio; a temperatura fica abaixo de 0ºC seis meses por ano! Então, durante estes períodos, as pessoas fazem de tudo para se manterem aquecidas, ficam em casa (que pode ser uma tenda de couro de animais ou ser construída com diversos materiais) com as portas e janelas fechadas. Quando estão em carros, ônibus ou outros veículos também não abrem as janelas. Nas igrejas, mesquitas ou outros locais públicos também evitam que os espaços percam calor porque aquecer um ambiente, em um contexto como esse, demanda muita energia e fica caro. Mas, isso traz um grande problema: a tuberculose.

 

A bactéria que causa a doença (Mycobacterium tuberculosis) é transmitida de uma pessoa para outra e isto é facilitado em ambientes com pouca circulação de ar, muita gente junta e com pouca entrada da luz do sol. Ainda tem um detalhe: o tratamento é longo e desgastante, então as pessoas geralmente perdem a motivação de levá-lo até o fim depois que os sintomas iniciais (tosse, febre, fraqueza, falta de apetite e emagrecimento) passam. O problema é que a doença pode voltar ainda mais forte e o tratamento inicial pode já não fazer mais efeito. Aí a pessoa vai precisar do tratamento para tuberculose multidrogarresitente (MDR-TB) ou extensivamente resistente (XDR-TB), que são muito mais complicados, longos e difíceis de suportar.

As pessoas doentes que não estão em tratamento, ou que param os remédios antes de terminar o período indicado, continuam transmitindo a doença, por isso é tão importante seguir a prescrição à risca para eliminar esta doença.  Médicos Sem Fronteiras trabalha aqui combatendo estas formas graves com prevenção, cuidados e tratamentos.

 

“Quem planta tâmaras, não colhe tâmaras…”

Um conhecido texto, baseado em uma parábola de origem árabe, diz que quem planta tamareiras, não poderá colher seus frutos, já que tradicionalmente estas palmeiras levam de 80 a 100 anos para começar a produzir. Pois esta é a sensação que um médico estrangeiro tem quando trabalha com tuberculose MDR ou XDR (formas de tuberculose resistentes aos tratamentos comuns), já que as missões duram em média um ano, e estes tratamentos duram mais de dois anos, sempre começando com injeções dolorosas e muitos comprimidos. De fato, estou acompanhando o tratamento de pacientes que foram iniciados por médicos que estiveram aqui antes de mim. E muito provavelmente não verei o fim do tratamento dos pacientes que eu iniciei.

Alguns pacientes com formas graves precisam ingerir o tratamento da tuberculose, medicamentos para reduzir os efeitos colaterais e ainda remédios para outras doenças como pressão alta, diabetes ou para tratar doenças decorrentes da própria tuberculose. Tenho um paciente de 52 anos, no terceiro tratamento para tuberculose e que toma 26 comprimidos por dia, além de duas injeções. A Organização Mundial da Saúde (OMS), Médicos Sem Fronteiras (MSF) e outras organizações internacionais estão trabalhando intensamente para tentar mudar este cenário. Novas drogas e combinações estão sendo testadas com sucesso e os tratamentos longos e desgastantes podem estar com os dias contados.

Temos muitas dificuldades, mas também temos muitos sucessos!  Recentemente finalizei o acompanhamento de um paciente, que já tratou a tuberculose quatro vezes nos últimos 20 anos, e que agora finaliza 22 meses do tratamento mais recente com todos os exames ok. Como ele é muito idoso, fomos à casa dele para a última consulta. Estamos todos muito felizes!

 

Sem espaço para improviso

Muitas pessoas veem o trabalho de MSF como algo improvisado, feito às pressas, com muito amor, dedicação, suor e lágrimas. Parte disto é verdade, mas geralmente é um trabalho técnico, altamente especializado, feito por pessoas experientes e qualificadas para a função que estão desempenhando, seja em um campo de refugiados, no meio de uma guerra ou enfrentando uma epidemia. Nestes contextos não existe espaço para “tentar”: MSF precisa chegar e fazer.

O trabalho aqui no Quirguistão tem dois grandes objetivos: ajudar as pessoas que sofrem com a tuberculose com um tratamento de qualidade e investigar a possibilidade de tornar este tratamento cada vez melhor, com remédios novos e com períodos mais curtos tomando os medicamentos.

O meu papel aqui, como médico referente de projeto (PMR), é organizar informações, fazer relatórios para a coordenação na capital do país (Bishkek), orientar as equipes de médicos, enfermeiros, promotores de saúde, atender os pacientes complicados, oferecer treinamentos para nossas equipes e para os profissionais locais a pedidos do Ministério da Saúde daqui. É muita coisa! Mas, tem muita gente trabalhando junto, é realmente um trabalho em equipe.

 

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