Um psicólogo chegando à Palestina

Com MSF, brasileiro oferece cuidados de saúde mental à população afetada pela violência constante

Fazia algum tempo que não reconhecia a sensação que tive saindo da igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém. Só me dei conta, de fato, quando saí. Do lado de dentro, entre muita gente, passando de câmara em câmara, ouvindo diferentes cânticos e rezas, o cheiro de incenso, os locais de adoração, pedras sagradas, imagens milenares, velas e luminárias provocaram uma estranha leveza em minha cabeça, o que, de imediato, atribuí racionalmente ao jet leg. Até que, ao entrar na fila para acessar a tumba onde a ressurreição ocorreu, me dei conta que suava muito, e suava frio, algo incomum e inesperado para alguém não religioso como eu. Ou, talvez suasse justamente por isso, não sei. Segui firme, sem passar à fase das tonteiras, e entrei numa espécie de caverna por uma pequena passagem. Ali estava o leito de pedra cultuado por cristãos mundo afora. Foi realmente intenso; pela história, pela fé ao redor.

Colocando uma relativa epifania de lado, a sensação durou alguns minutos. Mesmo assim, ao sair do templo já era noite. O tempo havia mudado e uma neblina baixava sobre a parte externa do templo, o que adicionou força à minha impressão. Continuamos a exploração pelas ruas da cidadela bíblica, passando pelo muro das lamentações que estava lotado em dia santo, e seguimos até parar numa pouco utilizada passagem pelo teto das incríveis alamedas comerciais de onde avistávamos o domo dourado da mesquita de Al-Aqsa.

Andar pela cidade antiga de Jerusalém é um privilégio histórico, seja pela ancestralidade e beleza do local, seja pela presença e coexistência única das religiões monoteístas. A nível pessoal, especificamente, o privilégio se dá pela oportunidade de viver esta disputada parte do mundo e poder descobrir a fundo a dinâmica social aqui instalada trabalhando para Médicos Sem Fronteiras (MSF). O projeto onde estou alocado é exclusivamente voltado para saúde mental, focado em atenuar as consequências psíquicas do conflito entre judeus e palestinos sobre a população. O projeto opera no sul da Cisjordânia, na cidade de Hebron, e, por conta da assimetria do acesso a serviços de saúde entre uma nacionalidade e outra, é focado na população palestina, que tem seu território ocupado pelas forças militares israelenses. Tenho, no mínimo, seis meses à minha frente trabalhando diretamente com os pacientes, fazendo atendimentos psicoterápicos em suas casas ou em nosso escritório, no centro da cidade.

Temos um escritório na capital, Jerusalém, e o projeto, já há 20 anos, fica em Hebron, na Palestina, que é a maior cidade da Cisjordânia. Nos últimos meses, o local tem sido foco de enfrentamentos entre manifestantes palestinos e militares israelenses. Milhares de pessoas e famílias de Hebron já foram atendidas pelo projeto, que ao longo de duas décadas se mantém como uma importante opção para tratamento de saúde mental para palestinos afetados por uma crise permanente há quase 70 anos.

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