Uma dupla preocupação na Guiné-Bissau

A gestora de laboratório Inês Rodrigues conta a históra dos bebês Ricardo e Eduardo

Uma dupla preocupação na Guiné-Bissau

Sentados na cama 16 do serviço de desnutridos do Hospital Nacional Simão Mendes (CRENI), que é apoiado pela MSF, encontramos Ricardo e Eduardo. Somos informados de que são gémeos, de um ano e tal, mas a diferença física leva-nos a questionar. A tia Rosenda confirma. É ela que nestes dias faz o papel de mãe. Com um olhar cansado e preocupada com o futuro que os espera, Rosenda está internada com os gémeos. É ela quem dorme com eles, que lhes dá as refeições e que se coloca na fila de pesagem das crianças diariamente, para a monotorização dos desnutridos.

Na entrega dessa mulher esconde-se uma visível dupla preocupação: os dois gémeos e os seus dois filhos que tem em casa para cuidar. Há ainda a comida que devia estar a fazer em casa, para poder vender e ganhar dinheiro para pagar a inscrição da escola dos filhos, ou os medicamentos dos gémeos. Mas por eles, ela está lá. Por eles, MSF está lá. Por eles, nós estamos aqui.

Apesar do trabalho diário no hospital, em serviços distintos, por eles nós fazemos uma rápida visita ao CRENI e espreitamos da porta, curiosos. Mais um dia ali. Ali continuam os gémeos e a tia. Rosenda vê e acena. Diz aos gémeos para dizerem olá. A conversa diária de saber se estão a melhorar e de sabermos como ela está preenche-nos o dia. Eduardo começa a dar os primeiros passos e Ricardo salta para um dos nossos colos.

Ricardo e Eduardo perderam o pai quando tinham um ano. A mãe, Teresa, passa mal, muito mal, nas palavras da tia. Por isso não consegue acompanhar os gémeos. O apelo e o desespero da tia levam a que a mãe Teresa seja internada no Centro de Tratamento de Tuberculose Raoul Follereau. É um alívio para a tia saber que ela pode ser tratada e a nossa constatação, numa visita fugaz a este centro, é de que Teresa está muito frágil.

Os gémeos vieram do Enterramento, em Bissau. Deram entrada no CRENI com o diagnóstico de desnutrição. Aliado a isso, é visível a fragilidade de Ricardo, com dificuldades respiratórias e o aparecimento de algumas febres. O raio-x é claro: algo não está bem. A situação de desnutrição está controlada, mas é preciso tratar Ricardo e Eduardo, também com tuberculose. O internamento da mãe no Centro de Tratamento Raoul Follereau leva a que os gémeos e a tia sejam transferidos do serviço pediátrico para lá. No Raoul Follereau eles continuam o tratamento de tuberculose começado no CRENI.

A tia continua lá por eles. A tia continua lá, a chorar a preocupação de uma casa desgovernada e dos sobrinhos que precisam do seu apoio diário. Com o Ricardo nas costas e o Eduardo ao colo, a tia lamenta as três semanas que passou sem ter auxilio de ninguém. É preciso que ela continue internada com eles. Sem ela, eles não se alimentam. Mas sem ela, a casa continua sem apoio. De uma coisa temos a certeza: com ela, Ricardo e Eduardo têm o apoio e o carinho de que precisam.

Por ela e por eles, seguimos até ao Raoul Follereau e aí agradecemos-lhe todo o cuidado e a dupla(s) tarefa(a) que acarreta: com os gémeos, no papel de mãe e de tia, a preocupação com os seus dois filhos e também a mulher guerreira que é, numa Guiné-Bissau sem recursos.

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