A volta por cima em tempos difíceis

Em meio a saudades, às idas e vindas de profissionais em campo e o cansaço, Raphael Cruz encontra disposição para continuar o trabalho em campo

A volta por cima em tempos difíceis

31/05/16

Não tenho escrito esses tempos porque não tenho sentido vontade de falar, de conversar. Não sei se vou voltar a escrever também. Bom, só para contextualizar: tirei dez dias de férias, fui pra Cape Town com minha namorada e foi muito bom.  O lugar é lindo, foi ótimo ter liberdade de novo, poder fazer compras, escolher o que comer, poder ir ao mercado, ter internet boa, comida boa. Com certeza, vou dar mais valor às coisas.

Voltei das férias e, quando voltei para cá, me senti perdido…  Eu estava relaxado e todo o pessoal, tenso. No começo eu achei que era comigo, mas depois percebi, e muitas pessoas também me disseram isso, que a gente fica sob muito estresse enquanto estamos no projeto e, ao voltarmos de férias, reparamos o quanto o pessoal está cansado. 

Decidi ficar mais na minha, para evitar que o pessoal achasse ruim o meu bom-humor. Nisso, acabei ficando mal-humorado, meio deprimido, frustrado, sei lá… Comecei a sentir mais saudades de tudo. É complicado explicar o que estou sentindo. Não é que eu queira ir embora, que eu queira desistir, que queira voltar pra casa, mas estou me reprimindo. 

É tipo na pós-graduação: as pessoas vêm e vão. Você convive tão ativamente com elas, compartilha sua vida, suas ansiedades, angústias e, de repente, essa pessoa vai embora. E vem outra no lugar dela.  Só que aqui é ainda mais intenso. 

Eu sinto que não estou dando o melhor de mim. Sinto que posso dar mais, mas estou cansado/desgastado. Não quero ouvir “você consegue, você é um herói por estar aí”. Não me sinto um herói. Eu não sou um herói. Eu sinto que faço a diferença, assim como todas as pessoas que estão aqui, mas é “fazer a diferença” da mesma forma que eu faria em uma região pobre de SP. Mas eu sinto que a minha energia de “fazer a diferença” está mais fraca do que quando eu comecei. É um aprendizado, de qualquer forma. Talvez eu tenha tentado abraçar o mundo, fazer muita coisa ao mesmo tempo… Estou esgotado.

No começo, o meu pensamento era “o que eu posso fazer para dar mais de mim para eles (meus colegas)”. Hoje, meu pensamento é “o que eu posso deixar de fazer para dar mais de mim pra eles”. Parece simples, mas é muito difícil. Todos nós queremos deixar nossa marca aqui, sermos lembrados. Aqui, dois bebês já levam meu nome. Um eu não tenho certeza, era uma paciente que eu nunca mais vi. O outro, é filho de um profissional do controle de infecções da clínica, neto de uma das minhas colegas. Esse é certeza. Bom, eu não serei esquecido!

Eu ainda quero melhorar a organização da farmácia na maternidade. É o meu objetivo pessoal desde que eu cheguei. Mas é complicado… Sempre é. É preciso resolver com dois setores, fazer pedidos e tal…. Aí, quando você está quase conseguindo, descobre que não há espaço para colocar as coisas. Pior é que é uma frustração pessoal para mim e também para meu colega Raef. Brigamos a cada dois ou três dias por conta de frustrações pessoais sobre a organização da farmácia na maternidade. 

Eu ainda odeio a frase “a cada escolha, uma renúncia”. Odeio cada vez mais o quanto ela é verdadeira. Tantas escolhas, tantas renúncias… Enfim, vou começar a abrir mão de algumas coisas. Talvez seja o melhor. Qualidade em vez de quantidade. Menos estresse. Vou largar mão de cuidar da comida, em primeiro lugar.

A Viola vai embora semana que vem e a pessoa que vai substitui-la chega amanhã. Talvez isso me ajude. Este fim de semana, e especialmente ontem, quando comecei a escrever este texto, eu estava bem para baixo. Hoje, estou melhor. Acordei determinado a melhorar minha qualidade. Nossa coordenadora de Recursos Humanos chegou aqui hoje e isso é algo bom. Ela me dá um pouco de ânimo, especialmente porque a gente conversa em português. Nossa, como é bom. Às vezes, é exaustivo falar e pensar em inglês o tempo todo.

No trabalho, está tudo na mesma, nada de diferente. Caiu na rotina, o que não é bom para mim e nem para os outros profissionais; eu não melhoro e eles não melhoram. Estamos pensando em um jeito de mudar isso.

O time de quando eu comecei está quase todo mudado. Agora, restam só cinco profissionais internacionais. Alguns mais novos (mas já antigos) já se agregaram, mas tem muita gente que chegou nessas duas últimas semanas… Às vezes é bem difícil, mas estou tentando melhorar a cada dia pra dar o melhor de mim. Meus colegas merecem o esforço e a comunidade agradece.

Compartilhar