20 de junho, Dia Mundial do Refugiado

Médicos Sem Fronteiras dedica 70% de seus projetos ao redor do mundo a populações deslocadas

Comemora-se hoje o Dia Mundial do Refugiado como forma de lembrar a todos da existência desses milhões de pessoas ao redor do mundo que foram obrigadas a abandonar suas casas e muitas vezes seus países. É considerada refugiada a pessoa que "receando com razão ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção daquele país…", de acordo com a Convenção Relativa ao Estatuto do Refugiado de 1951. No entanto, entre as populações deslocadas estão não só refugiados, mas também deslocados internos (ou IDPs, na sigla em inglês), pessoas que fogem dentro de seu país, ou seja, estão no território de seu próprio Estado e sob sua jurisdição.

Médicos Sem Fronteiras (MSF) trabalha com populações deslocadas que precisam de assistência médica e humanitária em todos os cantos do mundo. No ano passado, a organização deu assistência a populações deslocadas em 37 países, que vão desde Bangladesh e Bélgica até República Centro Africana e Colômbia, passando por Darfur, Índia, Irã, Itália e África do Sul, entre muitos outros. Nesse período, MSF dedicou 33,7% de seus custos operacionais, ou €114 milhões, às populações deslocadas, destinando 70% de seus projetos a elas.

De acordo com Liesbeth Shockaert, conselheira humanitária da Unidade de Análise e Advocacy de MSF, a maior diferença entre os dois é que os IDPs não são protegidos como os refugiados por direitos adicionais e nem existem organizações específicas para lidar com eles, como é o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). “Muitos também alegam que o aumento de IDPs está ligado à relutância dos estados de abrir fronteiras para refugiados. A ajuda é trazida o mais perto possível da população em sua região de origem, então as pessoas não fogem para o exterior”, esclarece Shockaert.

A conselheira afirma, no entanto, que não há grandes diferenças operacionais em MSF para lidar com IDPs e refugiados. As atividades típicas de assistência a populações deslocadas incluem serviços ambulatoriais e de internação, alimentação terapêutica, saúde mental, distribuição de alimentos e de itens de ajuda humanitária em geral, distribuição de água, coordenação do saneamento e vacinação.

Tudo isso depende muito da situação de cada país e da situação do grupo assistido. MSF realizou 49 intervenções voltadas para populações deslocadas no ano passado. Dessas, algumas foram campanhas de vacinação, outras fizeram distribuição de água e comida e outras realizaram cirurgias ou trataram de saúde mental. No Paquistão, há grande demanda dos deslocados por cuidados a ferimentos causados pela guerra, já na Itália o programa inclui tratamento para doenças infecciosas, prevenção de HIV/AIDS e consultas ambulatoriais.

A enfermeira brasileira Kelly Cavalete trabalhou com MSF em um projeto de emergência devido a ataques contra estrangeiros que aconteceram na África do Sul no dia 11 de maio de 2008. Por estarem em maior número, os mais atingidos foram os zimbabuanos, que fogem em massa para da crise econômica e política que devasta seu país para a África do Sul. Kelly conta que “os problemas de saúde que atendíamos eram variados, muitos relacionados ao trauma vivido, e para isso montamos também uma grande equipe de ‘aconselhadores’. Havia alguns feridos em decorrência do grande ataque ou dos pequenos ataques individuais que ainda ocorriam pelas ruas”.

Os motivos de fuga das pessoas são normalmente uma mistura de razões, entre elas: guerras, violações de direitos humanos, perseguição, fome, pobreza e busca por uma vida melhor. Segundo Liesbeth, isso não mudou muito em relação ao passado, “a diferença é que as pessoas não são mais reconhecidas como fugitivas de guerra, perseguição etc. Todos são considerados migrantes econômicos e, por isso, essas pessoas não são mais protegidas, ou são bem menos que antes.”.

Para Mauro Nunes, enfermeiro brasileiro que já trabalhou com populações deslocadas, a situação dos refugiados é algo que não mudou muito nas últimas décadas. “Os refugiados e deslocados internos são sempre os mais sacrificados pelas guerras. São os que têm as casas destruídas, as plantações saqueadas, as criações usurpadas, as mulheres violadas, as crianças sequestradas para ‘uso militar’ e de quem até a ajuda humanitária é muitas vezes confiscada. E continuam a sofrer mesmo após o término das hostilidades.”, conta ele, que já trabalhou em Angola, Moçambique e no Sudão com populações deslocadas.

Neste Dia Mundial dos Refugiado, a enfermeira Kelly, que hoje trabalha em projeto no Camboja, lembra que “ter trabalhado em campos de refugiados foi uma experiência muito especial na minha vida, ver como a vida pode mudar num instante. Aquelas pessoas deixaram seus países em busca de uma vida melhor. Muitos já tinham suas casas, suas roupas, seus móveis… De repente, não tinham mais nada.”. Já Mauro se recorda da “esperança explícita refletida nos olhos e sorrisos desses tristes personagens que fazem os obstáculos já enfrentados e os riscos já corridos parecerem pequenos.”

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