Afeganistão: Medo na província de Helmad

MSF se esforça para garantir que a população local tenha acesso ininterrupto a tratamento gratuito, e em segurança

Médicos Sem Fronteiras (MSF) está atualmente apoiando o hospital regional Boost, em Lashkargah, capital da província de Helmand, Afeganistão, providenciando cuidados médicos gratuitos e que salvam vidas em todas as áreas, incluindo maternidade, pediatria, cirurgia e alas de emergência.

Apesar das recentes ofensivas da Coalizão junto com as Forças do governo em Marjah e Nad Ali terem atraído muita atenção, as outras áreas de Helmand também tem sido duramente atingidas pelo conflito em curso. Uma das consequências mais alarmantes do conflito tem sido que as pessoas vivendo ao longo da província estão sendo impedidas de ter acesso aos cuidados médicos de que precisam desesperadamente.

“Eu cheguei esta manha no Hospital de Boost com minha criança doente”, disse Fatima*, sentada na ala pediátrica com o bebê em seus braços. Ela é do distrito de Nawa-I-Barakzavi, que faz fronteira com Larshkargah. “Eu tenho três crianças, e esta está doente. Ela tem cinco meses. O leite do meu peito acabou. Ela está com fome, e eu simplesmente não tenho nada para dar a ela em casa.”

Em novembro de 2009, MSF começou a apoiar o Hospital Boost em Larshkargah onde aproximadamente um milhão de habitantes estão entre as pessoas mais afetadas pelo conflito entre a Coalizão e as forças do Governo Afegão de um lado e vários grupos de oposição de outro.

A população está aprisionada há anos em condições de pobreza e de falta geral de acesso a tratamentos médicos, particularmente de cuidados de saúde secundários. Hospitais públicos não funcionam e clínicas privadas são frequentemente inacessíveis por serem muito caras. Isto torna quase impossível para as pessoas ter acesso a serviços de saúde adequados. O Hospital Boost é um dos únicos dois hospitais públicos de referência que restaram no sul do Afeganistão.

À primeira vista, o hospital parece em boas condições, e equipes médicas podem ser vistas trabalhando.

“Mas se você analisar mais de perto, vai descobrir que o hospital não tem estado em funcionamento, e não está acessível aos pacientes por várias razões”, explicou Volker Lankow, coordenador do projeto de MSF.

Havia uma ausência alarmante de medicamentos gratuitos num lugar onde essa despesa desencorajava as pessoas a irem até um hospital buscar os cuidados de que precisavam. MSF começou a apoiar o fornecimento de serviços de saúde no hospital oferecendo remédios grátis.

“Eu já ouço da comunidade que isso faz uma grande diferença para a população”, disse Volker.

A Presença de Fatima no Hospital Boost é exemplo da questão: “Eu fui a uma clínica na cidade antes, mas eu tinha que pagar pelos medicamentos. Eu não tenho nenhum dinheiro. Então, uma mulher me disse que eu conseguiria remédios gratuitos para o tratamento aqui. É por isso que eu vim”, disse ela.

Agora que medicamentos de qualidade estão disponíveis gratuitamente, sistemas eficazes de prescrição de medicamentos precisam ser desenvolvidos. Uma das partes mais importantes do trabalho de apoio de MSF no Hospital Boost será ajudar a equipe a melhorar seus protocolos de tratamento. Isto irá melhorar a eficiência de toda a operação e é urgentemente necessário.

Expatriados nas funções de cirurgião, anestesista, médico, enfermeira e parteira agora trabalham em conjunto com a equipe médica do hospital para melhorar a qualidade do tratamento e para fornecer um pacote médico completo e gratuito aos pacientes.

“Reorganizamos a zona de resíduos e trabalhamos no sistema de esterilização para a sala de operações”, disse Volker. “Também criamos uma nova sala dedicada a ante-e pós-natal para mulheres, bem como para o planejamento familiar. E ainda há muito trabalho a fazer para melhorar a esterilização e a gestão global de higiene dentro do hospital. Mas não se trata apenas da implementação de atendimento gratuito e da reorganização do hospital. Também vamos ter tempo para treinar e orientar os funcionários sobre como usar esses recursos.”

O objetivo de MSF não é o de assumir a responsabilidade do hospital, que possui 120 leitos. Em vez disso, a meta é garantir que a equipe esteja sempre presente, e que a atenção médica de qualidade e adequada esteja disponível gratuitamente.

“Para o cuidado ser completo, precisa estar prontamente disponível”, disse Volker. “Um dos nossos objetivos é propor um hospital que funcione 24 horas por dia, sete dias por semana. Temos de garantir uma presença permanente da equipe médica e serviços funcionais, livres de cobranças.”

Um aspecto essencial do trabalho de MSF no hospital Boost tem sido garantir que seja um ambiente seguro, uma das maiores barreiras para pessoas que procuram cuidados médicos. Fatima, que está atualmente no hospital Boost para começar o tratamento do seu bebê, disse que pessoas armadas estão agora ficando em algumas clínicas perto de sua cidade, e que ela tem medo de ir lá.

“Uma das nossas prioridades aqui tem sido trabalhar a política de “não às armas” no Hospital de Boost, disse Volker. “Todos os dias, as pessoas me dizem que estão sofrendo com a guerra que assola a província, e que eles têm medo de entrar num hospital cheio de gente andando com suas armas. Todo paciente tem o direito de ser tratado e se recuperar em um lugar seguro, e estamos trabalhando duro para garantir que a política de “não às armas” seja respeitada.

Na entrada do portão do hospital, uma placa que diz “armas não são permitidas” fica próxima dos guardas que garantem que todos os pacientes e visitantes deixem suas armas para trás.

Hoje, o hospital Boost já não parece um campo de batalha: nenhuma arma entra no complexo de saúde, e nenhum tipo de assédio é tolerado. O interior do complexo hospitalar parece  tranquilo, mesmo que os sons da guerra sejam ouvidos no ar e que os helicópteros sejam uma presença constante nos céus.

Na ala masculina, Nadeem *, um homem de 45 anos de idade, encontra-se em sua cama. Ele conseguiu sair de Marjah no meio da ofensiva armada em um táxi do Crescente Vermelho. O carro estava transportando feridos com necessidade urgente de cirurgia. Ele não foi ferido no conflito, mas sofre de problemas severos no estômago e precisou de tratamento.

“Não havia medicamentos ou estruturas de saúde disponíveis em Marjah”, explicou. “O caminho todo eu pensei que ia morrer – não por causa da minha doença, mas por causa dos bombardeios e das minas terrestres. Minha esposa e meus filhos estão em Marjah. Assim que eu melhorar, preciso voltar para lá. Mas não vai ser fácil voltar, pois deixar de receber tratamento é muito perigoso. Estou muito preocupado.”

“A insegurança foi uma barreira para o acesso aos cuidados de saúde por um longo tempo”, disse Volker. “A ofensiva armada em curso em Marjah e Nad Ali só vai tornar tudo mais difícil e temos medo que uma grande quantidade de pacientes – feridos de guerra, bem como todos os outros pacientes que precisam urgentemente de tratamento adequado e acessível – não possa acessar as estruturas de saúde como o hospital de Boost. Hoje, menos de 50 por cento dos leitos do hospital estão ocupados, embora saibamos que os hospitais distritais na província de Helmand estão funcionando mal, se é que funcionam.”

Durante as últimas três semanas, toda a atenção ficou concentrado em Marjah e  Nad Ali, enquanto o conflito tem sido sentido em toda a província de Helmand, impedindo as pessoas de acessar cuidados de saúde adequados. MSF pediu que todas as partes envolvidas no conflito permitam que pessoas com necessidades de saúde possam acessar instalações médicas.

MSF escolhe contar apenas com doações privadas para o seu trabalho no Afeganistão, e não aceita financiamento de nenhum governo. Atualmente, além de seu apoio para impulsionar o hospital em Lashkargah, MSF apoia o Hospital Ahmed Shah Baba, em Cabul oriental. Em ambos os locais, o objetivo da organização é fornecer material de salvamento e assistência médica gratuita usando drogas eficazes e trabalhando em todas as áreas, incluindo maternidade, pediatria, cirurgia e salas de emergência.

MSF pretende alargar o seu apoio a hospitais e centros de saúde rurais em outras províncias do Afeganistão em 2010.

* Os nomes foram mudados para proteger o anonimato dos pacientes.

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