Agravamento do conflito na Colômbia deixa dezenas de milhares de pessoas sem cuidados essenciais

Médicos Sem Fronteiras iniciou atividades médicas em áreas afetadas por conflitos armados, e aumento da ajuda humanitária é urgente em comunidades de difícil acesso

Equipe de MSF na região de Catatumbo. ©Natalia Romero Peñuela/MSF

Nas últimas semanas, Médicos Sem Fronteiras (MSF) aumentou a oferta de assistência médica e humanitária nas áreas atingidas pela pior escalada da violência em anos de conflito na Colômbia. Dezenas de milhares de pessoas estão atualmente presas em pelo menos 11 focos ativos de combate, de acordo com as autoridades. Em meio ao aumento das necessidades humanitárias, pedimos que entidades estatais e outras organizações humanitárias alcancem comunidades isoladas onde muitas pessoas não têm acesso a serviços básicos, incluindo cuidados médicos. Além disso, pedimos que os atores envolvidos no conflito protejam estruturas médicas e trabalhadores humanitários da violência.

“Estamos profundamente preocupados com o impacto do conflito crescente na Colômbia em dezenas de milhares de pessoas em várias regiões do país”, diz Francisco Otero, coordenador-geral de MSF na Colômbia. “Nossas equipes estão fornecendo assistência médica e humanitária essencial para comunidades isoladas e vulneráveis em áreas de difícil acesso para as organizações humanitárias e com pouca presença do Estado.”

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Em fevereiro, as equipes de MSF lançaram uma resposta de emergência em áreas rurais da região nordeste de Catatumbo, onde em janeiro mais de 50mil  pessoas foram forçadas a deixar suas casas pelas hostilidades no maior deslocamento populacional repentino em décadas. Muitos dos que permaneceram agora têm restrições de movimento impostas. Em março, iniciamos um projeto no departamento de Arauca, também na fronteira com a Venezuela.

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Em fevereiro, as equipes de MSF lançaram uma resposta de emergência em áreas rurais da região nordeste de Catatumbo, onde em janeiro mais de 50mil  pessoas foram forçadas a deixar suas casas.

Na região de Catatumbo, dezenas de milhares de pessoas foram deslocadas pelos conflitos armados. ©Ferley Ospina

 

Emergência em Catatumbo

Em meados de janeiro, a ruptura de um pacto de não agressão entre dois grupos armados não estatais desencadeou uma escalada da violência que deixou pelo menos 98 mortos e cerca de 77 mil pessoas afetadas, incluindo pessoas deslocadas e em locais isolados, de acordo com autoridades estatais.  As forças armadas colombianas também lançaram várias ofensivas contra esses grupos.

As equipes de MSF estão realizando clínicas móveis em áreas rurais onde há restrições de movimento, tanto para pessoas que saem em busca de recursos e serviços, quanto para entidades oficiais e outras organizações humanitárias. MSF é uma das poucas organizações que tem acesso concedido pelas partes em conflito a áreas amplamente afetadas por essas restrições.

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Entre 10 de fevereiro e 15 de março, fornecemos quase 1.200 consultas médicas em áreas rurais de Ábrego, Teorama e Tibú, incluindo 933 para cuidados básicos de saúde e 112 para saúde mental. Além disso, 472 pessoas se beneficiaram de atividades de saúde mental em grupo.

“Vemos uma deterioração na saúde da população, desde crianças com sintomas de desnutrição até pacientes com condições crônicas, como hipertensão ou diabetes, cujo tratamento foi interrompido”, explica Altair Saavedra, coordenador médico de MSF na Colômbia.

“A maioria das gestantes que atendemos nas consultas não havia iniciado os exames pré-natais, independentemente da idade gestacional, e algumas pacientes apresentaram sintomas psicológicos graves causados pela incerteza sobre o desenvolvimento do conflito.” Além disso, nas áreas visitadas por MSF, pelo menos quatro centros de atenção básica à saúde fecharam ou suspenderam as atividades devido à violência.

 

Novo projeto em Arauca

Na região de Arauca, vários grupos armados não estatais estão lutando pelo controle do território. MSF iniciou um projeto de longo prazo na primeira semana de março, que se concentrará em pessoas que enfrentam severas restrições para acessar cuidados de saúde: migrantes venezuelanos, colombianos que retornaram ao país e pessoas deslocadas, grupos indígenas vulneráveis na área urbana e comunidades afetadas pelo conflito armado em áreas rurais.

“Ofereceremos serviços de saúde sexual e reprodutiva, atendimento integral a sobreviventes de violência sexual, consultas de saúde mental, atenção prioritária a crianças menores de cinco anos, apoio a estruturas de saúde básica e fortalecimento da capacidade técnica do pessoal de saúde. Também realizaremos atividades para melhorar as condições de acesso à água e saneamento”, diz Alejandro Matos, coordenador de MSF em Arauca.

MSF iniciou um projeto em Arauca. ©Alejandro Matos/MSF

Entre os dias 3 e 14 de março, realizamos 281 consultas médicas, 30 consultas individuais de saúde mental e 116 pessoas participaram de sessões de saúde mental em grupo nos assentamentos de Jerusalém, Brisas del Puente e Clarinetero, na cidade de Arauca, capital da região.

O agravamento do conflito na Colômbia

Sete décadas de conflito fizeram da Colômbia um dos países com maior número de deslocados internos (IDP) do mundo, com quase nove milhões de acordo com o registro histórico*. Durante a última década, a cifra anual de 70 mil novos deslocados internos pela violência nunca foi ultrapassada, mas, em 2024, o país registrou 160 mil, de acordo com as autoridades. Este é o maior número anual desde a assinatura, em 2016, do acordo de paz entre o Estado e as extintas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).

Apesar de um processo de negociação em andamento entre o governo e vários grupos armados não estatais, a Ouvidoria da Colômbia indicou que há 11 focos de emergências humanitárias, especialmente em regiões ao longo do Pacífico e da fronteira com a Venezuela.

“Como uma organização que orienta nossa ação sob os princípios da neutralidade, imparcialidade e independência, apelamos às partes em conflito para que forneçam acesso seguro às áreas atingidas pela violência onde há necessidades humanitárias não atendidas”, diz Otero.

A Colômbia também foi a maior beneficiária de fundos da USAID na América Latina. Em 2024, os Estados Unidos forneceram quase 68% dos recursos para a resposta humanitária gerenciada por trabalhadores humanitários no país, mas, em 2025, dezenas de ONGs e agências das Nações Unidas (ONU) já foram impactadas pelos cortes. Somente no setor de saúde, mais de 183 mil pessoas perderam o acesso à assistência e outras 683 mil correm o risco de serem afetadas, de acordo com a equipe de organizações humanitárias de saúde.

“Em meio à exacerbação das necessidades devido ao agravamento do conflito, pedimos às entidades estatais e outras organizações humanitárias que alcancem as comunidades onde o acesso a serviços básicos, como assistência médica, foi afetado, e pedimos às partes em conflito que protejam as instalações médicas e os trabalhadores humanitários da violência”, diz Otero

*Este é o número total de pessoas deslocadas devido à violência, que eram elegíveis para assistência pelas autoridades. A grande maioria continua fora de suas casas.

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