Aids: Acesso a tratamento universal é possível

Em entrevista, Marielle Bemelmans, chefe de missão no Malauí, alerta que falta de medicamentos acessíveis pode ameaçar sustentabilidade do tratamento

Thyolo é um distrito rural no Malauí, país no sul da África que está entre os mais afetados pela pandemia de HIV/AIDS. Entre os 600 mil habitantes do distrito, um entre cinco adultos vive com HIV, muitos deles em situação de pobreza. Além disso, as autoridades enfrentam a falta de trabalhadores de saúde. Ainda assim, apesar desse cenário difícil, o Ministério da Saúde, junto com MSF, não apenas oferece acesso ao tratamento antirretroviral para quase todos que precisam dos medicamentos, mas isso é feito com custos razoáveis e acessíveis. Marielle Bemelmans, chefe de missão no Malauí, explica como o programa funciona e porque os altos preços dos novos medicamentos de HIV/Aids põem em perigo essa grande conquista.

No distrito de Thyolo, o acesso universal a tratamento antirretroviral se tornou uma realidade. Isso significa que pelo menos oito entre dez pessoas que precisam de antirretrovirais têm acesso ao tratamento, somando um total de 14 mil pessoas. Como isso foi alcançado?
Marielle Bemelmans – O tratamento de HIV foi integrado ao sistema de saúde pública e padronizado o máximo possível. Inclui apenas o regime padrão de medicamentos de primeira linha e monitoramente laboratorial simplificado. Além disso, serviços foram descentralizados para centros de saúde menores. Isso também significa que as responsabilidades médicas precisam ser transferidas para as enfermeiras e agentes de saúde. Em um país com uma falta aguda de médicos, essa estratégia de transferência foi crucial e nos permitiu quadruplicar o número de pessoas que iniciaram o tratamento antirretroviral.

Quais são os benefícios dessa abordagem?
Marielle – Uma abordagem descentralizada para saúde pública significa acesso ao tratamento perto da casa das pessoas e, consequentemente, menos gastos com dinheiro e tempo para transporte. Mais pessoas no distrito sabem da existência dos serviços e as pessoas vêem como seus familiares, amigos e colegas melhoram. Isso os motiva a vir até as clínicas, serem testados e começar o tratamento. Nós também temos conseguido iniciar o tratamento antes que as pessoas adoeçam – a contagem de sua célula CD4 no início do tratamento é em média de 250, o que indica que o sistema imunológico ainda trabalha relativamente bem. O período de espera entre o primeiro teste e o momento que o paciente ingere sua primeira pílula diminuiu de mais de três meses para três semanas em média.

Essa abordagem é acessível para um país em desenvolvimento como o Malauí?
Marielle – No momento, custa 233 euros tratar um paciente por um ano. Isso inclui os medicamentos antirretrovirais – que correspondem a mais de metade do orçamento –, o custo de outros medicamentos, testes de laboratório, equipe, serviços de suporte e supervisão. Da perspectiva do distrito, o investimento financeiro per capita do programa de tratamento de Aids é 2.60 euros por habitantes por ano. Nos países em desenvolvimento, que em geral gastam apenas entre 10 e 20 euros per capita em serviços de saúde, é ainda um custo significante – mas é possível ser realizado.

O que pode prejudicar a sustentabilidade do tratamento de acesso universal em Thyolo?
Marielle – A principal ameaça são os altos preços dos novos medicamentos de Aids. Deixe-me explicar: hoje, mais de 95% dos pacientes em Thyolo usam antirretrovirais de primeira linha genéricos e baratos. Em primeiro lugar, há a necessidade de introduzir um regime de primeira linha mais robusto com menos efeitos colaterais. Mas mesmo se os pacientes tomaram seus medicamentos de primeira linha regularmente, eles inevitavelmente vão precisar mudar para uma segunda linha, ou até mesmo uma terceira depois de alguns anos. A maior parte dessas novas drogas é patenteada e ainda não há uma versão genérica mais barata. À medida que mais pessoas vão precisar mudar para novas drogas nos próximos anos, os custos desse programa vão aumentar astronomicamente devido aos custos espirais dos medicamentos. A questão é que devemos tomar todas as medidas necessárias agora para garantir a competição entre as diferentes companhias produtoras de genéricos. Essa é a melhor forma de conseguir os novos medicamentos a custos bem mais baixos.

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