Autoridades italianas voltam a deter navio de busca e resgate de MSF no Mediterrâneo

Justiça retém embarcação 12 dias depois de um tribunal de Salerno ter suspendido outra medida semelhante; organização vai recorrer

Vista do Geo Barents, navio de busca e resgate de MSF no Mar Mediterrâneo. © MSF

Em 23 de setembro de 2024, as autoridades italianas impuseram mais uma medida punitiva ao Geo Barents, o navio de busca e resgate de Médicos Sem Fronteiras (MSF), por cumprir seu dever legal e humanitário de salvar vidas no mar. Desta vez, o navio recebeu duas ordens de detenção distintas, imediatamente após encerrar o desembarque de 206 sobreviventes em Gênova. A ação é uma clara tentativa das autoridades de garantir que o Geo Barents não poderá navegar novamente para evitar mortes no Mediterrâneo.

 

 

A primeira ordem de detenção, por um período de 60 dias, foi emitida sob o “Decreto Piantedosi1” e foi baseada nas alegações, recorrentes, de que o Geo Barents não havia cumprido as instruções da Guarda Costeira da Líbia durante uma operação de resgate efetuada em 19 de setembro de 2024.

Naquele dia, o Geo Barents havia realizado um primeiro resgate e foi designado a Gênova como local de segurança. Enquanto navegava para lá, a embarcação recebeu um alerta de socorro do avião de monitoramento da Sea-Watch (organização não-governamental que atua em atividades de regaste de migrantes), alertando sobre 100 pessoas em perigo em um barco de madeira superlotado. O Geo Barents recebeu autorização do Centro de Coordenação de Resgate Marítimo Italiano para avaliar a situação. O navio de MSF era a única embarcação no local quando chegou. Dada a gravidade da situação e a obrigação do capitão de prestar assistência imediata, de acordo com a lei internacional, a equipe de MSF prosseguiu com o resgate.

No momento em que a equipe de MSF estava prestes a terminar o resgate, com cerca de 20 pessoas de um total de 110 aguardando por ajuda, um barco de patrulha da Guarda Costeira da Líbia, doado pela Itália, chegou ao local. “O barco de patrulha líbio chegou quando estávamos quase terminando a operação, mais de cinco horas após o primeiro alerta sobre pessoas em perigo. Eles chegaram, ameaçaram atirar e realizaram manobras perigosas e intimidadoras em torno das pessoas em perigo e da equipe de resgate de MSF”, disse Fulvia Conte, líder da equipe de busca e resgate de MSF.

 

 

Essa é a quarta ordem de detenção do Geo Barents tendo como base o chamado “decreto Piantedosi”. O decreto, de 2023, determina, entre outras coisas, que navios de busca e resgate de organizações não-governamentais devem navegar imediatamente para o porto designado pelas autoridades italianas para desembarque dos migrantes após o primeiro resgate. A ordem de detenção anterior, mitida há um mês e também de 60 dias, foi posteriormente suspensa pelo Tribunal Civil de Salerno.

Além disso, a segunda ordem de detenção, emitida em 23 de setembro, foi seguida de uma inspeção detalhada do navio pelo Controle de Porto Estatal, que teria encontrado oito deficiências técnicas. “As inspeções são outra camada de instrumentalização administrativa e técnica das leis e regulamentações que as autoridades têm usado nos últimos sete anos para obstruir o trabalho das embarcações humanitárias de busca e resgate no Mediterrâneo”, acrescentou Conte. “Nosso navio foi aprovado em inspeções anteriores. Esta parece ter a intenção de garantir que não iremos voltar tão cedo. Estamos agindo para resolver rapidamente essas deficiências e voltar a evitar mortes no mar.”

A detenção mais recente ocorreu apenas 12 dias depois de o Tribunal de Salerno ter suspendido uma decisão semelhante, reconhecendo a natureza humanitária e de salvamento do navio de busca e resgate de MSF.

“Nós recorreremos ao tribunal competente contra essas novas detenções. Quanto mais os tribunais decidem a favor das embarcações humanitárias, mais detenções arbitrárias são impostas pelo governo italiano. Isso é inaceitável para um país sob o Estado de Direito”, disse Juan Matias Gil, representante das operações de busca e resgate de MSF.

 

 

“As pessoas que fogem da Líbia frequentemente nos contam sobre as interceptações violentas no mar realizadas pela Guarda Costeira da Líbia, apoiada pela União Europeia. Foi documentado não apenas pelas Nações Unidas, mas também por jornalistas independentes, que a Guarda Costeira da Líbia é cúmplice de graves violações de direitos humanos, que equivalem a crimes contra a humanidade, e de conluio com contrabandistas e traficantes”, acrescentou Gil. “É uma vergonha que as autoridades italianas ainda considerem a Guarda Costeira da Líbia como um ator e uma fonte de informações confiáveis”.

MSF atua em atividades de busca e resgate desde 2015, já tendo trabalhado em oito diferentes embarcações de resgate (sozinho ou em parceria com outras ONGs), resgatando mais de 91 mil pessoas. Desde o lançamento das operações de busca e resgate a bordo do Geo Barents, em maio de 2021, as equipes de MSF resgataram mais de 12.540 pessoas, recuperaram os corpos de 24, providenciaram a evacuação médica de 16 pessoas e ajudaram no parto de um bebê.

 

 

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