Barreiras no acesso à saúde causam riscos mortais para mulheres e crianças na Somália

Na cidade de Baidoa, insegurança generalizada e dificuldades de transporte limitam a ida das pacientes aos hospitais

Lul Mohamed Abdi com sua filha de um ano e meio de idade, Muna Mohamed, que está se recuperando de desnutrição na ala pediátrica do Hospital Regional da Baía, apoiado por MSF, em Baidoa, Somália. © Mohamed Ali Adan/MSF

“Há sete meses, minha esposa deu à luz gêmeos. Ela teve um sangramento excessivo durante o parto, mas eu não tinha dinheiro para levá-la ao hospital. Nosso vilarejo não tem uma unidade de saúde gratuita. Enquanto cuidavam dela em casa, nossos dois meninos também adoeceram. Tive que pegar um empréstimo de cerca de 130 dólares (aproximadamente 710 reais) e viajar 300 quilômetros do meu vilarejo até Baidoa para buscar atendimento gratuito”, lembra Kalimow Mohamed Nur, pai de gêmeos que estão em tratamento no hospital Regional da Baía, apoiado por Médicos Sem Fronteiras (MSF) na cidade de Baidoa, na Somália.

A esposa de Kalimow sobreviveu ao sangramento e, após sete meses, ele conseguiu trazer seus filhos para tratamento. Mas há outras centenas de mulheres e crianças que ainda não conseguem procurar atendimento médico no estado de Somália do Sudoeste. O conflito persistente na região gera uma situação precária para quem necessita de cuidados de saúde críticos.

Mulheres e crianças precisam empreender jornadas árduas de centenas de quilômetros para chegar às instalações médicas para receber cuidados de saúde. A insegurança generalizada ao longo do caminho frequentemente obstrui o acesso das pessoas às unidades médicas, gerando atrasos críticos que agravam as condições de saúde e, às vezes, levam até a morte. Aqueles que têm condições financeiras de pagar pelo transporte precisam arcar com altos custos para chegar até as instalações de saúde e ainda correm risco de serem vítimas de violência no caminho.

Dificuldades de acesso a cuidados médicos

Uma parcela significativa das pessoas na região da Baía, na Somália, e nas áreas vizinhas vive em situação de pobreza, o que dificulta a contratação de serviços médicos e de transporte para chegar até as unidades que fornecem cuidados de saúde mais especializados.

O custo do transporte, que pode chegar a 300 dólares (cerca de 1.600 reais), pode ser proibitivo, forçando muitas pessoas a atrasar ou renunciar aos cuidados médicos essenciais, incluindo muitas mulheres em idade reprodutiva. Essa situação leva a altas taxas de doenças e mortes por doenças evitáveis.

Pacientes pediátricos e seus acompanhantes na ala geral pediátrica do Hospital Regional da Baía, apoiado por MSF, em Baidoa, Somália. © Mohamed Ali Adan/MSF

As pessoas na região têm enfrentado desafios humanitários e de saúde significativos devido aos conflitos prolongados, à instabilidade crônica e às mudanças climáticas, que levam a secas severas e inundações repentinas. O sistema de saúde colapsado agrava ainda mais a situação, deixando mulheres e crianças em situação de maior vulnerabilidade a suportar o impacto e privando-as de serviços básicos de saúde.

As normas culturais e as práticas tradicionais desempenham um papel substancial no acesso aos cuidados de saúde. Em muitas famílias, os homens tomam as decisões de saúde, e o consentimento deles é crucial para realizar qualquer procedimento médico. As mulheres, muitas vezes, não têm autonomia sobre sua própria saúde. Esse atraso na tomada de decisões pode levar a chegadas tardias às instalações médicas. Além disso, uma desconfiança geral das práticas médicas modernas e problemas de conscientização sobre assuntos de saúde dificultam a adoção de medidas preventivas e curativas de saúde.

“Tem havido uma crença generalizada de que passar por uma cirurgia resultaria na troca de filhos, levando muitas pacientes a recusar o tratamento hospitalar. Além disso, os equívocos comuns sobre a doação de sangue incluem receios sobre os riscos para a saúde, preocupações sobre tabus religiosos ou culturais e mal-entendidos sobre o processo médico”, explica Habiba Mohamed Abdirahman, parteira tradicional em Baidoa.

As principais causas de morte de mulheres grávidas são complicações relacionadas à pressão arterial, hemorragia e sepse. Todas essas condições podem se tornar mortais se não forem tratadas em tempo hábil, e o acesso tardio aos cuidados de saúde aumenta as chances de morte para as mães e seus bebês.

Crise de saúde materno-infantil: uma preocupação crescente

A maioria das mortes maternas e de crianças decorre de atrasos na procura por cuidados. Isso inclui a decisão de buscar serviços de saúde para partos seguros, a chegada tardia a uma unidade médica e o recebimento de cuidados adequados e imediatos após a chegada na instalação de saúde.

As mulheres da região da Baía, na Somália, e de áreas vizinhas vivenciam todos esses desafios, que contribuem para as taxas de mortalidade materna e infantil. A Somália tem uma das maiores taxas de mortalidade materna do mundo, com 621 mortes por 100 mil nascidos vivos, e uma das maiores taxas de mortalidade infantil, com aproximadamente 137 mortes por mil nascidos vivos.

MSF pede às autoridades nacionais e organizações internacionais que invistam mais no fortalecimento do sistema de saúde, tanto no nível primário quanto no secundário.”
– Pitchou K., coordenador de projeto de MSF na Somália.

A infraestrutura de saúde na região é subdesenvolvida e sofre com uma escassez crítica de profissionais médicos treinados. As poucas instalações que existem na cidade de Baidoa e regiões periféricas estão frequentemente sobrecarregadas, particularmente durante emergências e surtos de doenças.

Ahmed Abass, líder da equipe médica de MSF em Baidoa, examina uma criança na ala pediátrica geral do Hospital Regional da Baía, apoiado por MSF, em Baidoa, Somália. © Mohamed Ali Adan/MSF

O sistema de saúde da região luta com insumos limitados, incluindo recursos humanos e financeiros, medicamentos essenciais e suprimentos médicos. O conflito em curso dificulta ainda mais a prestação de cuidados de saúde, uma vez que permanece fora do alcance da maioria das pessoas, em áreas inacessíveis e afetadas por conflitos.

É preciso aumentar o investimento em infraestrutura médica urgentemente

“O estado atual da saúde materno-infantil na região da Baía, na Somália, exige atenção imediata. MSF pede às autoridades nacionais e organizações internacionais que invistam mais no fortalecimento do sistema de saúde, tanto no nível primário quanto no secundário, alocando recursos suficientes para melhorar o acesso a cuidados médicos para mulheres e crianças na região da Baía”, diz o coordenador de projeto de MSF na Somália, Pitchou K.

“As mortes maternas e neonatais podem ser evitadas, possibilitando que as mulheres grávidas tenham acesso a cuidados pré-natais mais perto de suas casas, reduzindo os encaminhamentos tardios para casos complicados, aumentando o número de mulheres que dão à luz em uma unidade de saúde e ampliando a conscientização sobre os serviços disponíveis. Ao mesmo tempo, a cobertura de vacinação e a triagem e apoio nutricional devem ser expandidos. Isso só é possível através do aumento do apoio financeiro, do envolvimento da comunidade e da melhoria da infraestrutura da cadeia de suprimentos sensíveis à temperatura”, acrescenta o Pitchou K.

Hani Yusuf, paciente pediátrico com 48 dias de vida, recebe a vacina BCG no Hospital Regional da Baía, apoiado por MSF, em Baidoa, Somália. © Mohamed Ali Adan/MSF

Desde 2018, MSF apoia o Hospital Regional da Baía em Baidoa, fornecendo uma variedade de serviços médicos para melhorar a saúde materno-infantil e responder a surtos de doenças. Fornecemos atendimento obstétrico e neonatal de emergência abrangente, garantindo partos seguros e oferecendo atendimento hospitalar e ambulatorial para mulheres grávidas e seus recém-nascidos. As equipes auxiliam aproximadamente 200 partos por mês.

Além disso, MSF administra sete centros de atendimento perto de acampamentos para pessoas deslocadas internamente, para fornecer cuidados de saúde primários e garantir encaminhamentos oportunos para serviços de saúde secundários.

Os desafios no acesso a cuidados de saúde para mulheres e crianças em Baidoa são multifatoriais, envolvendo segurança, economia, cultura e barreiras de infraestrutura. Embora os esforços de MSF e de algumas organizações tenham melhorado significativamente o acesso e os resultados dos cuidados de saúde, o apoio e o aprimoramento contínuos desses programas são essenciais.

O fortalecimento do sistema de saúde, o aumento da promoção de saúde e o enfrentamento de barreiras socioeconômicas podem abrir caminho para resultados de saúde melhores para as mulheres e crianças de Baidoa. O apoio contínuo da comunidade internacional é essencial para sustentar, expandir e descentralizar os serviços de saúde.

“Quando as pessoas ficam doentes, tudo o que precisam é de cuidados de emergência”, diz Faduma, mãe que vive na região da Baía.

 

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