Bombardeios na Síria: paramédicos relatam desafios enfrentados durante o regate de vítimas

Profissionais que recebem apoio de MSF trabalham em meio à escassez de recursos para ajudar a população

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AA e AK são dois paramédicos da periferia sitiada do leste de Ghouta, próximo de Damasco. Trabalhando com hospitais aos quais MSF oferece suporte regularmente, eles descrevem seus esforços para responder aos bombardeios de uma praça pública em 23 de janeiro de 2015.

AA: Cerca de meia hora depois de termos deixado a mesquita, aviões-caça começaram a bombardear a praça da cidade. Nós recebemos uma ligação da unidade de emergência e fomos instruídos a seguir para a área atacada para evacuar as vítimas. A praça da cidade fica no cruzamento de várias vias e é onde está localizado um mercado popular onde comerciantes de rua vendem seus produtos.
Fiquei chocado quando cheguei. O lugar estava praticamente irreconhecível, devido à intensidade da destruição. Dezenas de pessoas, mortos e feridos, estavam espalhados por todo canto. Crianças, homens, mulheres e idosos.

AK: Uma nuvem espessa de poeira recobria o local. Era possível enxergar apenas alguns metros adiante, o que dificultou a localização das vítimas. As bombas levaram edifícios inteiros ao chão, com moradores dentro deles. A destruição foi indescritível, terrível. Imediatamente, começamos a evacuar o máximo de vítimas que pudemos, levando-as para os hospitais da região.

Imediatamente após a primeira viagem, nós voltamos rapidamente para a área do ataque para buscar mais vítimas. Houve um segundo ataque. As bombas caíam em todos os lugares. Uma ambulância foi atingida e eu fui ferido na cabeça, mas foi superficial.

Eu também fui atingido no braço. Felizmente, meu ferimento também foi superficial. Não é incomum haver uma segunda rodada de bombardeios após um primeiro ataque. Nós, paramédicos, sempre que somos enviados para evacuar vítimas, nunca descartamos a possibilidade de nos tornarmos parte da estatística. Nós já fomos bombardeados anteriormente, enquanto evacuávamos pessoas. Um de meus colegas ficou gravemente ferido naquele bombardeio. Ele perdeu um braço. Ainda está vivo, mas não pode mais trabalhar.

AA: Sentíamos medo e ansiedade, mas começamos a resgatar as vítimas e evacuar os feridos para o hospital. As operações de resgate são dificultadas por obstáculos técnicos e falta de recursos. O combustível é escasso e não temos equipamentos de proteção individual, como capacetes. Nosso trabalho é praticamente uma missão impossível. Na maioria das vezes, nossas tentativas de responder a todas essas necessidades falham.

AK: Exatamente. Nossas ambulâncias são veículos comuns que foram transformados para comportar duas pessoas feridas na parte de trás da cabine. Naquela sexta-feira, tivemos de evacuar oito ou nove pessoas por vez. E houve outras dificuldades também: os veículos não são equipados para serem conduzidos por áreas devastadas. Os pneus frequentemente furam por conta dos destroços, o que nos força a fazermos mais paradas para trocá-los.

De certa forma, estamos nos acostumando a bombardeios regulares, mas, por vezes, você se depara com uma cena com a qual simplesmente não consegue lidar. Eu nunca vou me esquecer daquelas pequenas partes do corpo que provavelmente pertenciam a um garoto, cheio de vida. É o tipo de coisa que vemos quase todos os dias. Esquecemos de algumas imagens, mas outras se recusam a deixar a memória.

O que vemos aqui e o que acontece aqui é uma tragédia. Os riscos a que nos submetemos são assustadores. Sabíamos desde o primeiro dia que tudo era possível, o que diz respeito ao nosso destino. Nos convencemos e aceitamos o trabalho como uma missão humanitária e conscientes de que se pararmos de fazer o que fazemos, a situação humanitária vai piorar. Não sabemos o que o futuro nos reserva, mas sabemos que nossas vidas estão em jogo, hoje mais do que nunca. Tentamos ser cuidadosos, o máximo possível, mas, na realidade, compartilhamos dos mesmos riscos que todas as pessoas que vivem aqui sob as bombas. Nosso destino é ditado pelo cerco em que estamos vivendo, o que só faz de nós ainda mais determinados a fazermos nosso trabalho, esperando que possamos ajudar a aliviar este suplício.

Durante os últimos quatro meses, equipes de MSF fora da Síria têm estado em contato diário ou semanal com a equipe médica dos hospitais e com a equipe de paramédicos apoiadas pela organização na região sitiada do leste de Ghouta na medida em que os bombardeios se intensificaram e, como consequência, as necessidades a que estão batalhando para atender também.
Por meio do programa de suporte médico de emergência, que oferece apoio a 100 hospitais e instalações médicas na Síria, principalmente em regiões sitiadas, MSF está provendo suprimentos para manter cuidados de saúde estáveis às vítimas. No entanto, repetidos ataques causam ferimentos massivos e uma escassez de suprimentos difícil de compensar, apesar de todas as tentativas.

Confira o depoimento do médico diretor de um hospital apoiado por MSF sobre as dificuldades em atender as vítimas dos bombardeios aqui.
 

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