Burkina Faso: como a epidemia de COVID-19 piorou a crise humanitária

O país está enfrentando uma das maiores crises humanitárias do mundo, que se desenvolve hoje a uma velocidade exponencial

Burkina Faso: como a epidemia de COVID-19 piorou a crise humanitária

Mais de 800 mil pessoas, de acordo com a OCHA, foram deslocadas pela violência em Burkina Faso. O sistema de saúde é particularmente frágil. Teme-se que esta situação se deteriore ainda mais com os picos sazonais de desnutrição e malária, que estão se aproximando. Como se não fosse o bastante, o país registra um dos maiores números de casos confirmados do novo coronavírus na África Subsaariana. Conceder acesso a cuidados básicos de saúde para a população local e deslocada já era difícil nas regiões mais vulneráveis do país, devido à crescente insegurança. Agora, a situação é ainda mais complicada em algumas áreas.

Djibo, uma cidade na região do Sahel, que tinha 36 mil habitantes no último censo de 2012, hoje abriga mais de 140 mil pessoas deslocadas. A violência forçou quase 840 mil pessoas a deixar suas casas nos últimos meses. O acesso aos serviços de saúde, já difícil, deteriorou-se ainda mais: em todo o país, mais de cem centros de saúde foram fechados nas áreas afetadas, enquanto outros operam com capacidade mínima, devido à insegurança.

“Quando vamos às unidades de saúde, é muito provável que tenhamos de passar o dia todo lá aguardando uma consulta, porque há muitos pacientes. Mas somos gratos por pelo menos ter algum tipo de atendimento médico”, diz Salam, paciente que veio ao posto de saúde avançado de Djibo, com seus dois filhos.

Médicos Sem Fronteiras (MSF) está presente na região desde março de 2018, trabalhando no centro cirúrgico e no pronto-socorro do centro médico em Djibo, a fim de melhorar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde secundária para deslocados internos e população anfitriã. Desde então, MSF também estabeleceu dois postos de saúde avançados para facilitar o acesso à atenção de saúde primária, bem como atividades de distribuição de água, para ajudar a população – deslocada e anfitriã – a lidar com a situação.

Com a crescente insegurança em torno de Djibo nos últimos meses, também se tornou mais difícil chegar às populações que vivem nos arredores. Portanto, MSF criou uma rede de profissionais de saúde comunitários e os treinou para tratar crianças com menos de 5 anos de idade contra doenças como malária, diarreia e infecções respiratórias.

Preparando-se para o pico sazonal no contexto da COVID-19

As equipes médicas de MSF também prestam cuidados de saúde primária às populações de Barsalogho e Kaya, no centro-norte, Gayeri e Matiacoali, no leste, assim como Titao e Ouindigui, no norte. Além de apoiar o centro de saúde urbano em Titao, MSF está implantando clínicas móveis em locais remotos. A malária é um dos principais problemas de saúde que nossas equipes atendem e provavelmente piorará durante o pico esperado para junho.

“No ano passado, a malária foi a principal morbidade entre nossos pacientes. Hoje, tememos o pior ao nos aproximarmos do pico sazonal esperado entre maio e outubro; especialmente porque muitas unidades de saúde estão fechadas e as populações permanecem presas em áreas inacessíveis, com acesso muito limitado aos serviços de saúde”, disse Hassan Maiyaki, coordenador-geral de MSF em Burkina Faso.

As pessoas também sofrem com más condições de vida, falta de acesso à água e insegurança alimentar. De acordo com o Programa Mundial de Alimentos (PMA), o número de pessoas com insegurança alimentar pode dobrar de pouco mais de 1 milhão para 2,1 milhões, à medida que a temporada de seca se aproxima em junho devido às más colheitas do ano passado, e ainda mais porque as populações também estão enfraquecidas pela crise humanitária. Em 13 semanas, entre janeiro e março, nossas equipes atenderam cerca de 400 crianças desnutridas em Barsalogho, Gayeri e Matiacoali.

“Em um contexto de segurança tão instável, com um sistema de saúde enfraquecido e dificuldades no acesso às populações, as organizações humanitárias, incluindo MSF, estão enfrentando dificuldades em se preparar para este período crítico. E a pandemia da COVID-19 não simplificará nossa tarefa”, continua Hassan Maiyaki.

Integrar a resposta à pandemia com outras necessidades

Burkina Faso confirmou seu primeiro caso do novo coronavírus no dia 9 de março. Desde então, o país enfrenta um rápido aumento no número de casos, com surtos em nove de suas treze regiões.

Portanto, MSF está se preparando para apoiar a resposta das autoridades de saúde à pandemia de COVID-19, implementando uma série de atividades, como promoção de saúde, treinamento de profissionais e ampliação da capacidade de atendimento em unidades de saúde, incluindo a melhoria das medidas de prevenção e controle de infecções e o desenvolvimento de espaços de isolamento. Também estamos nos preparando para apoiar a gestão de casos em Ouagadougou e começamos a cuidar de pacientes em uma instalação voltada à COVID-19 em Bobo Dioulasso, o segundo foco da pandemia no país depois na capital.

Uma das prioridades das nossas equipes, no entanto, é manter nossas atividades médicas regulares em Burkina Faso, adaptando os projetos aos novos desafios impostos pela COVID-19. Em Fada, no leste do país, por exemplo, nossa equipe teve que suspender e reorganizar temporariamente uma campanha de vacinação em massa contra o sarampo, devido aos novos regulamentos sobre aglomerações. Esta campanha finalmente poderá ser retomada nos próximos dias. Da mesma forma, no oeste de Burkina, já afetado pela pandemia de COVID-19, nossas equipes acabaram de realizar uma campanha de vacinação contra o sarampo na província de Mouhoun. Mais de 72 mil crianças com menos de 10 anos de idade foram vacinadas em Dédougou e quase 37 mil com menos de 14 anos de idade em Boromo.

“A interrupção temporária de programas preventivos, como vacinações contra o sarampo, pode desencadear novas epidemias. Agora devemos fazer com que todos entendam que a resposta à COVID-19 deve ser integrada a outras grandes necessidades de saúde, como malária ou desnutrição”, insiste Maiyaki.

Embora choques sazonais, como o período de escassez de alimentos ou a alta transmissão de malária sazonal, em breve afetem as populações dessas regiões, e as crianças pequenas em particular, já devemos nos preparar para o período pós-COVID-19, porque suas consequências indiretas podem realmente levar a uma nova fase de emergência se as necessidades básicas ainda não forem atendidas.

 

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