Câncer do colo do útero: cinco fatos sobre o projeto de MSF no Quirguistão

Em junho deste ano, Médicos Sem Fronteiras (MSF) e o Ministério da Saúde do Quirguistão se reuniram para iniciar um novo programa de rastreio do câncer do colo do útero no país. Stephan Grosse Rueschkamp, diretor nacional de MSF no Quirguistão, explica por que isso representa um desenvolvimento vital nos esforços do país para erradicar o câncer do colo do útero e o que o programa visa alcançar nos próximos anos.

1- Por que MSF está se concentrando no câncer de colo do útero no Quirguistão?

O câncer do colo do útero está entre os dois cânceres mais frequentes detectados entre as mulheres no Quirguistão. Ele é também uma das principais causas de mortes por câncer e impacta desproporcionalmente mulheres de famílias de baixa renda que têm menos acesso a informações sobre a doença ou, muitas vezes, não conseguem arcar com os custos exorbitantes de testes e tratamentos.

Mesmo com alta ocorrência de câncer de colo do útero no país, o Quirguistão hoje não tem um programa de rastreio ativo. A detecção precoce de anormalidades que sinalizam a presença de células cancerígenas garante que as mulheres possam iniciar o tratamento rapidamente, antes que o problema se espalhe. O câncer cervical é evitável se for tratado em um estágio inicial.

Porém, cerca de um terço das mulheres no Quirguistão tomam conhecimento sobre o câncer quando ele já está avançado. Isso não só reduz suas chances de sobrevivência, como também significa que essas pessoas são forçadas a procurar tratamento com altos preços em um dos dois centros de tratamento de câncer especializados no país. Como a disponibilidade de terapia gratuita contra o câncer é limitada, para muitas famílias que vivem em condições de pobreza, os custos para tratamento avançado podem simplesmente ser muito altos para procurar atendimento.

O câncer cervical também esconde enormes custos para a sociedade. A condição afeta principalmente mulheres jovens, muitas das quais morrem na ausência de tratamento oportuno. Além da perda de suas contribuições sociais, políticas e econômicas para a sociedade, muitas vezes também deixam para trás crianças, tornando ainda mais trágicas as mortes evitáveis por esse perigoso câncer.

2- O que MSF pretende alcançar em parceria com o Ministério da Saúde do Quirguistão?

Enfrentando uma alta taxa de câncer do colo do útero, o Ministério da Saúde do Quirguistão demonstrou grande interesse em conduzir um programa de rastreio ativo em seu sistema de saúde pública, que visa servir como um modelo para aumentar a prevenção em todo o território nacional.

MSF, presente no Quirguistão há mais de vinte anos, é uma das poucas organizações médicas internacionais que trabalham no país há vários anos. Nosso objetivo é compartilhar nossa experiência de rastreamento e tratamento de lesões de câncer cervical em um estágio inicial por meio de medidas comprovadas e econômicas em outros países, como Malaui e Filipinas, para permitir que o Ministério da Saúde do Quirguistão construa uma base sólida para um programa de prevenção em todo o país.

O objetivo é um modelo de rastreio integrado, em que o serviço de teste de câncer do colo do útero esteja entre os exames de rotina de saúde sexual e reprodutiva. Isso também envolverá capacitar os enfermeiros para fazer o rastreio inicial com suporte de telemedicina, em que o diagnóstico primário é confirmado por especialistas à distância.

O programa de rastreio está focado atualmente no distrito de Sokuluk, província de Chui, perto da capital Bishkek. O local abriga uma alta proporção de deslocados e migrantes internos, que muitas vezes lutam para acessar os serviços públicos de saúde devido a requisitos de registro, que são caros.

Embora o envolvimento do Ministério da Saúde do Quirguistão continue a ser fundamental, também estamos em parceria com comitês de saúde locais, mulheres e grupos de pacientes para garantir que a população feminina tenha todas as informações necessárias sobre a disponibilidade de serviços de testagem e tratamento.

3 – Quais serviços de tratamento as mulheres podem esperar do programa de rastreio?

O rastreio inicial é realizado usando a inspeção visual do colo uterino após aplicação de ácido acético, recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), para determinar a presença de anormalidades no colo do útero. Se as anormalidades forem detectadas em um estágio inicial, o quadro pode ser tratado na própria clínica através de um processo chamado coagulação a frio, que envolve a destruição das células anormais.

Para garantir que as mulheres com câncer em estágio avançado recebam tratamento e acompanhamento adequados, estamos trabalhando em conjunto com o Instituto Nacional de Oncologia em Bishkek. MSF cobre os custos de tratamento e viagens para pacientes encaminhadas ao instituto que não podem arcar com os gastos necessários. Esses valores são os principais fatores que impedem as mulheres de procurar cuidados avançados.

Ancorar nossos serviços de testagem e tratamento no sistema público de saúde é um elemento-chave da estratégia de MSF no Quirguistão, para que o programa possa continuar mesmo após nossa saída. Por esse motivo, nosso foco será a transferência de experiência e habilidades e a garantia de não estabelecermos um programa paralelo de rastreio e tratamento.

4 – A vacinação contra o papilomavírus humano (HPV) é amplamente reconhecida como um mecanismo fundamental de prevenção. Como MSF apoiará a vacinação contra o HPV?

Em sua estratégia global para acelerar a eliminação do câncer do colo do útero, a OMS estabeleceu uma meta global de 90% de cobertura na vacinação completa do HPV entre meninas de até 15 anos de idade.

O acesso às vacinas contra o HPV é mais um marcador de desigualdade no sistema de saúde global, com muitos países mais ricos tendo alcançado ou próximos de atingir essa meta, enquanto a maioria dos outros países permanece longe do objetivo, principalmente por causa do custo e da disponibilidade de imunizante. O Ministério da Saúde do Quirguistão atualmente está adquirindo vacinas contra o HPV a preços acessíveis para uma campanha nacional que deve começar em novembro deste ano. Nós os apoiaremos na defesa dos esforços de conscientização para promover a adoção.

5 – Qual é a história das 30 mil rosas?

No primeiro dia do programa de rastreio, nossa equipe ofereceu uma rosa para cada uma das 16 mulheres que foram testadas para câncer de colo de útero como um gesto de solidariedade. Gostaríamos de estender essa solidariedade a 30 mil mulheres. Em outras palavras, pretendemos rastrear 30 mil mulheres nos próximos três anos. Ao passar o bastão para as autoridades de saúde do Quirguistão, essa solidariedade pode ser estendida a todas as mulheres no Quirguistão.