Cercas que matam

Às vésperas de mais um encontro para discutir a chamada “crise de imigrantes e refugiados”, que acontecerá nos próximos dias 14 e 15 em Bruxelas, ministros da Justiça e do Interior dos países-membros da União Europeia estão recebendo um souvenir personalizado: coletes salva-vidas que pertenceram a uma das mais de 15 mil pessoas resgatadas por equipes da organização desde maio deste ano no Mar Mediterrâneo. Preces por uma travessia segura ou números de telefones de familiares ou amigos a serem contatados no caso de a pessoa não sobreviver aparecem estampados nos coletes. Esse é apenas um lembrete de que as pessoas que embarcam nessas jornadas estão totalmente cientes dos riscos assumidos, e do completo desespero que as motiva a colocarem a si mesmas e suas famílias em tanto perigo.

Equipes de MSF estão resgatando pessoas durante a travessia e tratando as consequências médicas da viagem, como desidratação e hipotermia, e as condições agudas que demandam evacuação médica, como pneumonia e ferimentos infligidos por violência. Estamos também tentando melhorar as condições de vida daquelas encurraladas em diversos países como Grécia, Itália e Sérvia. Mas todo o nosso trabalho se resume a preencher as lacunas deixadas pelos Estados que não demonstram vontade ou capacidade para cumprir com suas responsabilidades. Independentemente de categorizações como “imigrantes”, “refugiados” ou “solicitantes de asilo”, as pessoas que precisam de cuidados médicos, alimento, água e abrigo, deveriam receber essa assistência.

O número crescente de pessoas buscando assistência e proteção representa apenas uma pequena porção das milhões que estão fugindo do sofrimento intolerável. Não importam os obstáculos; elas vão continuar arriscando suas vidas para chegar. A única forma que a Europa tem de evitar a piora da crise em seu território é substituir os traficantes de pessoas pela provisão de alternativas seguras e legais. Pedimos às autoridades responsáveis pelas tomadas de decisão que ofereçam entrada segura; solicitantes de asilo precisam ter autorização para cruzar o mar e as fronteiras terrestres da Europa legalmente; todas as formas de permissão para que refugiados cheguem à Europa precisam ser colocadas em prática urgentemente; soluções eficientes para realocar requerentes de asilo de um país-membro da UE para outro precisam ser encontradas; acesso efetivo e coerente a procedimentos de asilo e assistência devem ser oferecidos nos pontos de entrada por toda a Europa, ao longo das rotas migratórias; e o registro rápido e o acesso à proteção temporária precisam ser providenciados logo na chegada das pessoas. Uma recepção digna precisa ser oferecida a todos.

E a mensagem não se restringe ao velho continente. O Brasil pode também ser mais atuante. Desde 2013, sírios que queiram se refugiar no Brasil recebem um visto humanitário e têm, assim, seu acesso facilitado. Essa medida foi muito bem-vinda, pois a Síria vive um conflito sangrento que já dura mais de quatro anos e os países vizinhos, que já abrigam mais de quatro milhões de refugiados, ultrapassaram sua capacidade de recepção. Entretanto, há outros conflitos violentos e crises em curso no mundo, que motivam a busca por sobrevivência em outros países, e esses povos também precisam ser cuidados. É preciso valer-se de mecanismos que facilitem a jornada de quaisquer populações em extrema necessidade até o país, para que eles aqui encontrem o acolhimento que lhes devolva a dignidade. É preciso internalizar a percepção de que esses refugiados não são da África ou do Oriente Médio. São de todos nós.

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