Cinco perguntas sobre a situação do Haiti

Em um país afetado pela violência, o terremoto agrava ainda mais as necessidades médicas da população

Cinco perguntas sobre a situação do Haiti

No dia 14 de agosto, um terremoto de magnitude 7,2 atingiu a região Sul do Haiti, especificamente as províncias de Grande Anse, Nippes e Sud. As equipes de Médicos Sem Fronteiras (MSF) estão trabalhando 24 horas por dia, respondendo às necessidades nas áreas mais afetadas. Os impactos do desastre aumentaram as necessidades médicas no país e agravaram a situação humanitária dos haitianos. No entanto, o terremoto é somado a um contexto já sensível e difícil no país, que inclui um cenário de extrema insegurança e instabilidade política.

Entenda a atual situação das diferentes crises que assolam o país e como MSF está respondendo a estas emergências:


 

1. O que já acontecia no Haiti antes do terremoto?

Embora o Haiti seja assolado pela violência há muito tempo, a situação de insegurança tem se agravado nos últimos anos. O assassinato do presidente haitiano Jovenel Moïse, no dia 7 de julho, em Porto Príncipe, capital do Haiti, chamou a atenção mundial para a atual instabilidade política do país, que já estava em um estado de crise profunda havia muitos meses.

Bairros inteiros estão sob o controle de grupos armados, com territórios em constante mudança. Em áreas densas e empobrecidas, as ruas têm barricadas e, em algumas áreas, há atiradores de elite que disparam à distância. Os confrontos entre gangues forçaram milhares de moradores a deixar alguns bairros. Em outros, como o Cité Soleil, as pessoas foram sitiadas pelos conflitos. As principais rotas de acesso a Porto Príncipe são controladas por gangues, e entrar ou sair da cidade se tornou complicado. Há ainda um nível muito alto de criminalidade, com roubos, sequestros e extorsões.

Neste contexto de turbulência política, há muitas vítimas de violência, especialmente pessoas feridas, o que nos levou a aumentar nossa capacidade de hospitalização. Houve dias em que nossas equipes receberam até 20 pacientes. Em média, mais de 60% de nossos pacientes traumatizados são vítimas de ferimentos à bala ou facadas.

Foto: Guillaume Binet/MYOP

2. Como o contexto de violência afetou as atividades médicas de MSF?

Em meio à insegurança no país, as instalações de saúde não são mais poupadas e nossas atividades médicas foram interrompidas por uma sequência de incidentes críticos. Em fevereiro, um hospital de MSF dedicado ao tratamento de queimaduras graves no distrito de Drouillard teve que ser fechado porque o local estava literalmente cercado por confrontos. Os cerca de 20 pacientes ainda no hospital tiveram que ser transferidos e a instalação ainda não foi reaberta. Somente mantivemos lá um posto médico avançado para poder estabilizar e encaminhar os feridos ou vítimas de queimaduras. Em junho, uma explosão de violência no bairro Martissant colocou em risco os profissionais do centro de emergência de MSF. Por vários dias, a equipe médica teve que cuidar dos feridos enquanto se protegia de balas perdidas, e uma de nossas ambulâncias foi roubada. No dia 26 de junho, a instalação foi alvo de disparos e finalmente foi evacuada para não expor ainda mais os pacientes e as nossas equipes.

Além desses episódios extremos, a violência cotidiana é o que ameaça a todos. Quando saímos às ruas, nossas equipes de saúde, assim como a população, vivem com medo de balas perdidas ou roubos. Um profissional de MSF que trabalhava em Tabarre foi assassinado no dia 25 de maio por homens armados depois de ter terminado seu dia no hospital, enquanto estava a caminho de casa. Em um momento em que MSF deveria expandir suas atividades para atender às crescentes necessidades médicas da população, incluindo o aumento de casos de COVID-19, estamos enfrentando dificuldades para manter nossas instalações abertas.

Foto: Avra Fialas/MSF 

3. Qual foi o impacto do terremoto no país?

Segundo o Escritório de Proteção Civil do Haiti, 137 mil famílias foram afetadas nas províncias de Grande Anse, Nippes e Sud, onde quase 53 mil casas foram destruídas e mais de 77 mil foram danificadas. O número de mortos, até o dia 22 de agosto, já chegava a mais de 2.200 e mais de 12 mil pessoas ficaram feridas. De acordo com o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, em inglês), cerca de 650 mil pessoas precisam de assistência humanitária emergencial.

Muitos edifícios, como hospitais, escolas, hotéis, igrejas, empresas privadas… sofreram danos ou se transformaram em ruínas. De acordo com as avaliações iniciais do OCHA, 36 unidades de saúde foram danificadas ou destruídas pelo terremoto, muitas tiveram que evacuar seus pacientes. As instalações que continuam funcionando estão sobrecarregadas e com falta de equipamentos médicos e medicamentos.

Vários municípios nas áreas afetadas permanecem isolados do resto do país. Após o terremoto, a área sofreu abalos secundários e deslizamentos de terra, causando danos adicionais. Da noite de segunda-feira (16) até a manhã de terça-feira (17), o ciclone tropical Grace passou pelo sul da península, causando chuvas extremamente fortes, de até 250mm, e inundações. A tempestade complicou os esforços de resgate, tornando mais áreas inacessíveis e colocando em risco tendas e estruturas temporárias que estão sendo usadas para cuidados médicos urgentes, ajuda e abrigo.

Foto: Steven Aristil
 
4. O que MSF fez no primeiro momento em resposta ao desastre?

Nas primeiras horas após o terremoto, a equipe de MSF baseada em Port-à-Piment e uma equipe médica de emergência de Porto Príncipe começaram a ajudar pacientes feridos na província de Sud. Também enviamos suprimentos de emergência, como kits de primeiros socorros, barracas para clínicas de emergência, medicamentos e suprimentos para transfusões de sangue e moldes de gesso.

Para lidar com a possível escassez de sangue, MSF lançou uma campanha de coleta de sangue no bairro de Turgeau, em Porto Príncipe, no dia 14 de agosto, em parceria com as autoridades locais. No dia seguinte, MSF inaugurou um centro de emergência no bairro de Turgeau e começou a fornecer cuidados de estabilização para pacientes feridos.

Em Port-Salut, uma equipe de MSF recebeu pelo menos 26 pacientes com ferimentos e fraturas, incluindo pacientes encaminhados de Port-à-Piment e Les Cayes, onde uma equipe de MSF forneceu suprimentos médicos e profissionais para atuar no hospital geral.

No dia 15 de agosto, uma equipe de MSF chegou em Nippes e visitou o hospital Sainte-Thérèse, em Miragane, que recebeu 59 feridos. MSF doou suprimentos para o hospital e enviou um cirurgião e uma enfermeira, que estão oferecendo suporte médico. No mesmo dia, uma equipe médica de MSF, incluindo dois cirurgiões e uma enfermeira, conseguiu chegar em Jérémie, capital de Grand Anse, e começou a fornecer atendimento de emergência no hospital Saint Antoine. Até 20 de agosto, os profissionais de MSF haviam tratado 54 pacientes feridos pelo terremoto. Destes, 36 foram submetidos à cirurgia, enquanto outros receberam talas e gessos. A equipe também levou suprimentos médicos, incluindo de esterilização, para instalação.

Foto: Steven Aristil
 
5. Quais esforços foram feitos por MSF para aumentar a resposta de emergência?

Mais de 100 profissionais internacionais e 1.260 haitianos compõem, atualmente, a equipe de MSF no Haiti que trabalha em projetos regulares e na resposta de emergência ao terremoto. Nesta semana, MSF enviou 100 toneladas de materiais de ajuda ao país, incluindo itens para a instalação de estruturas médicas e escritórios para operações com o uso de tendas, materiais para sistemas de abastecimento de água potável e suprimentos médicos (para estabilização, primeiros socorros, vacinação e coleta de sangue), todos destinados a atender pelo menos 30 mil pessoas. Uma equipe internacional de emergência também já chegou ao Haiti, composta por coordenadores, médicos – incluindo cirurgiões para traumas – e especialistas em logística e atividades de água e saneamento.

Na segunda-feira, 23 de agosto, MSF iniciou a administração de uma clínica móvel para comunidades remotas, incluindo Maniche, Camp Perrin e Cavaillon, que têm menos acesso a ajuda e cuidados de saúde, além de terem sido as mais afetadas pelo terremoto.

Em Les Cayes, MSF atualmente administra uma clínica móvel, distribuindo suprimentos médicos para vários hospitais, itens essenciais não alimentares e realizando atividades para levar acesso a água e saneamento em três comunidades, que atendem a 1.600 famílias de deslocados internos. Os profissionais também iniciaram atividades cirúrgicas no hospital Général des Cayes.

Nossas atividades regulares continuam incluindo os serviços no hospital Tabarre em Porto Príncipe, onde MSF está tratando pacientes gravemente queimados e também pessoas com ferimentos fatais. Até 23 de agosto, a equipe do hospital já tratou 60 pacientes feridos no terremoto. Após o desastre, o hospital ampliou seus critérios de admissão e sua capacidade de 50 para 69 leitos para pacientes com traumas, além de seus 20 leitos para pacientes com queimaduras. MSF também mantém seu projeto de saúde materna, sexual e reprodutiva em Port-a-Piment, na província de Sud, e oferece apoio a vítimas de violência sexual e de gênero em Porto Príncipe e Gonaïves.

Foto: Steven Aristil

 

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