Cinco razões pelas quais a desnutrição está aumentando no Iêmen

O sistema de saúde continua em colapso, e as equipes estão vendo um aumento preocupante dos pacientes com desnutrição em nossos hospitais.

Mohammed Al-Shahethi/MSF

A desnutrição é um risco constante para as crianças no Iêmen. O país vivencia picos sazonais e anuais, geralmente ligados à estação da seca, devido à interrupção da produção agrícola nas áreas rurais. Este padrão foi observado antes da escalada da guerra no final de 2014, mas piorou por causa dos efeitos diretos e indiretos do conflito em curso, que agravaram a insegurança alimentar de pessoas que já estavam em situação de vulnerabilidade.

Entre janeiro e outubro de 2022, 7.597 crianças com desnutrição procuraram as instalações de MSF no Iêmen para atendimento, um aumento de 36% em comparação com o mesmo período de 2021. Aqui estão cinco fatores principais que estão contribuindo para o aumento da desnutrição no país:

● Saiba mais: Número crescente de crianças com desnutrição admitidas no Hospital Abs, Iêmen
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1. Menos acesso a alimentos

Muitas famílias no Iêmen não têm condições de pagar por alimentos nutritivos, tampouco em quantidades suficientes, uma vez que o agravamento da crise econômica do país fez com que os preços aumentassem.

Muitas pessoas não possuem trabalho remunerado ou perderam suas casas devido à guerra de oito anos, à destruição ou ao deslocamento. O valor do Rial [moeda oficial do Iêmen] está se depreciando, e os custos de alimentação e transporte – incluindo combustível – estão aumentando, impedindo ainda mais o acesso das pessoas a alimentos suficientes.

“Tentamos alimentá-lo com o que temos, raramente temos condições de dar leite para ele”.
– Shohra Mohamed, avó de um paciente de MSF de quatro anos de idade.

“Viemos ao Hospital Abs várias vezes, e ele estava melhorando”, disse Shohra Mohamed, que levou Abdullah, seu neto de quatro anos de idade que sofria de desnutrição e outras complicações, ao hospital de MSF na província de Hajjah. “A última vez que ele teve alta foi há 20 dias. Nós preferimos vir aqui porque os serviços são gratuitos. O pai de Abdullah está ausente. Com a mãe, tentamos alimentá-lo com o que temos, raramente temos condições de dar leite para ele. Não temos acesso aos centros de saúde que fornecem alimentos terapêuticos nas proximidades”.

2. Falta de acesso a cuidados básicos de saúde

O sistema de saúde continua em colapso em todo o país. Os limitados recursos financeiros das autoridades de saúde, a escassez de suprimentos e equipamentos, bem como salários irregulares da equipe médica causaram o fechamento de muitas instalações de saúde pública. Somado ao alto custo do combustível, isso limita consideravelmente o acesso das pessoas a serviços médicos urgentes, e muitas vezes interrompe os cuidados às pessoas que recebem tratamento necessário, o que leva a complicações que poderiam ter sido evitadas se fossem tratadas em tempo hábil, incluindo a desnutrição.

As equipes de MSF que atuam no Hospital Al-Salam-Khamer, província de Amran, têm observado um aumento constante no número de pacientes com desnutrição aguda grave desde o final de maio. A taxa de ocupação de leitos no centro de alimentação terapêutica atingiu 396% em setembro de 2022. Ao mesmo tempo, houve um aumento de mais de 20% no número de consultas de emergência. Entre janeiro e setembro de 2022, 31 pacientes com esta condição morreram após a admissão. Infelizmente, a maioria chegou tarde demais e teve complicações médicas que eram muito graves para serem tratadas.

Muitas das pessoas com desnutrição aguda grave que foram admitidas no hospital apoiado por MSF deslocaram-se de áreas vizinhas, onde as unidades básicos de saúde estavam funcionando apenas parcialmente. Uma tendência semelhante foi observada na província de Al-Hudaydah. Entre janeiro e outubro de 2022, nossa equipe no departamento de emergência do hospital rural de Ad-Dahi admitiu 1.902 crianças que sofriam de desnutrição com complicações.

Foto: Mohammed Al-Shahethi/MSF

3. Condições de vida instáveis e precárias

As más condições de vida, especialmente para as pessoas que foram deslocadas, também contribuem para o aumento da desnutrição. O Hospital Abs recebe pacientes dos arredores da cidade, onde muitas pessoas deslocadas internamente vivem sem abrigo adequado e com acesso limitado a alimentos ou renda. De janeiro a setembro de 2022, o Centro de Alimentação Terapêutica para Pacientes Internados (ITFC) do hospital admitiu 2.087 crianças com desnutrição e complicações médicas associadas. Muitos desses pacientes vieram de Al-Khamis, um subdistrito na província Al-Hudaydah, ao sul de Abs, e vários chegaram de forma tardia; a maioria tinha entre 6 e 23 meses de idade.

“A maioria dos deslocados não possui renda regular devido às dificuldades de acesso às oportunidades [de emprego]”, disse Saddam Shayea, supervisor de promoção de saúde de MSF no Hospital Abs. “Outra questão é a falta de acesso à água potável. Isso aumenta os casos de diarreia, por exemplo, além da falta de materiais de higiene que são essenciais para reduzir o risco ou limitar a propagação de algumas doenças”.

4. Limitada conscientização de saúde a nível comunitário

Há uma grande necessidade de aumentar o acesso à promoção da saúde para os cuidados pré-natais e pós-natais, que estão diretamente ligados à desnutrição. A baixa disponibilidade e acessibilidade desses cuidados está levando a gestações complicadas, o que resulta em piores condições de parto tanto para as mães quanto para os recém-nascidos. Por exemplo, no Hospital Abs, em 2022, mais de 50% das pacientes na maternidade sofriam de desnutrição.

No passado, MSF observou um nível muito baixo de mulheres na maternidade que recebiam cuidados pré-natais. Em 2021, apenas 10% das mulheres que deram à luz no hospital haviam comparecido a pelo menos uma consulta. As consultas pré-natais costumam ser uma oportunidade para que a desnutrição em mulheres grávidas seja identificada e tratada por meio de encaminhamentos a serviços de nutrição apropriados. Isso melhora os resultados da gravidez e reduz os riscos de desnutrição em crianças e recém-nascidos.

Além disso, há uma conscientização limitada na comunidade sobre a importância da amamentação e das vacinas de rotina para as crianças. Os pais também não têm acesso a informações sobre a identificação dos sintomas iniciais da desnutrição, o que atrasa a detecção e a prevenção desta condição.

Foto: Mohammed Al-Shahethi/MSF

5. Lacunas na resposta humanitária

Neste ano, os cortes de financiamento fizeram com que as instalações de cuidados de saúde primários interrompessem os serviços ou tivessem suprimento insuficiente de medicamentos.

“Eles tiveram que escolher e priorizar entre meus filhos para dar a eles algum alimento terapêutico, pois não havia o suficiente”.

-Ahmed Abu Al Ghaith, um pai que levou sua filha de um ano de idade com um quadro de desnutrição aguda grave para o hospital Ad Dahi.

“Tenho quatro filhos que sofrem de desnutrição”, disse Ahmed Abu Al Ghaith, um pai que levou sua filha de um ano de idade com um quadro de desnutrição aguda grave para o hospital Ad Dahi. “Eu os levei para o centro de tratamento de desnutrição mais próximo da área, mas eles tiveram que escolher e priorizar entre meus filhos para dar a eles algum alimento terapêutico, pois não havia o suficiente”.

Além da descontinuidade de alguns programas de saúde, lacunas nos programas de nutrição e assistência alimentar, bem como serviços inadequados de água, saneamento e higiene aumentam os riscos de desnutrição e complicações associadas, que são maiores devido às doenças transmitidas pela água.

 

MSF atua em 13 das 21 províncias do Iêmen. As equipes na maioria de nossas instalações testemunharam um aumento preocupante no número de crianças com desnutrição com complicações médicas. Isso elevou as taxas de ocupação de leitos bem acima de 100% de capacidade em nossos centros de tratamento. Para lidar com o aumento do número de casos de desnutrição e para reduzir a morbidade e a mortalidade entre as pessoas mais vulneráveis, nossas equipes estão ampliando sua capacidade em seus projetos, ampliando o apoio aos centros de cuidados de saúde primários e aumentando as atividades de promoção da saúde.

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