Colômbia: a dor invisível de vítimas da violência

Coordenador-geral de MSF na Colômbia fala sobre necessidade de cuidados de saúde mental para as vítimas de violência durante o processo de paz no país

Colômbia: a dor invisível de vítimas da violência

Após mais de meio século de conflito armado na Colômbia, o saldo social é alarmante. A violência não cessa, ela se adapta. Milhões de pessoas são deslocadas de suas casas e terras; dezenas de milhares de pessoas estão desaparecidas, enquanto centenas de milhares ainda esperam por elas. O número de torturados e assassinados é incontável, assim como o de comunidades ameaçadas e de pessoas roubadas. Os massacres são numerosos e cruéis. Há uma quantidade incerta de crianças, jovens e adultos forçadamente sendo recrutados ou “convidados” a manter um estilo de vida criminoso em decorrência da falta de oportunidades de desenvolvimento.

Essas violações à vida e a falta de acesso aos direitos humanos mais básicos foram resultado de diversas motivações. Em alguns casos, ideológicas; em outros, por convicções políticas e sociais, mas, sem dúvida, elas respondem, em grande parte, a interesses econômicos. Os responsáveis por tudo isso são variados: grupos de guerrilha, paramilitares, forças de segurança do Estado (inclusive convidados estrangeiros) e grupos criminosos que ocupam espaços antes dominados pelas FARC.  

A violência foi mudando com o passar das décadas e está longe de desaparecer. Os atos vão de enfrentamentos diretos entre esses grupos, bombardeios, atentados e massacres à intensificação de ameaças e extorsões, afogamentos, restrições de movimento e assassinatos seletivos de líderes sociais e comunitários.

Há algo, no entanto, que não mudou na dinâmica desse contexto, seja dentro do conflito armado ou em outras situações de violência: a constante produção de vítimas. Como a violência afetou a sociedade civil em seu conjunto e a parte da população que não escolheu fazer parte dessas situações, mas que não teve alternativa e internalizou isso em sua vida cotidiana? Os laços sociais tradicionais foram cortados? Famílias inteiras foram separadas para nunca mais se reencontrarem? Como a violência generalizada afetou cada indivíduo que deve lidar com ela em todas as duas atividades diárias e relações sociais?

Existem muitos tipos de vítima diante das situações crônicas e mutáveis de violência, tanto nos ambientes de conflito como em grandes concentrações urbanas. Famílias deixaram para trás suas terras, vidas e histórias para enfrentar a indiferença e o desprezo em cidades grandes. Desaparecimentos, torturas, assassinatos e violência sexual deixaram marcas inesquecíveis em muitos lares, e depois disso ainda deram lugar à falta de compreensão, de empatia e de solidariedade, fazendo com que essas pessoas sejam, mais uma vez, vítimas.

Há muitas feridas físicas, externas e visíveis que um simples tratamento médico ou uma pequena sutura podem curar, mas é preciso se perguntar o que acontece com as feridas que não podem ser vistas, nem mesmo pelos que sofrem com elas. É necessário refletir sobre como as vítimas, sejam elas diretas ou indiretas, enfrentam essas feridas invisíveis, mas também dolorosas e profundas. Seria preciso dedicar um momento para pensar em pelo menos algumas destas situações.  

Uma mãe que espera pelo filho desaparecido na porta de casa. A insônia de um pai cuja filha foi abusada sexualmente. As relações sociais de centenas de meninas após sofrerem abusos traumáticos. O trajeto de um menino até a escola após seu irmão ter perdido um membro em decorrência de um artefato explosivo. Os sonhos de uma jovem logo após presenciar um massacre em seu vilarejo. A inserção à sociedade de um menino cujo único brinquedo foi um fuzil. Um rapaz que ataca um velho amigo que pertence a um grupo armado oposto ao seu. O sorriso ausente de um senhor deslocado em meio à indiferença da cidade grande. Um camponês que contempla um rio e negligencia suas plantações por ameaças de grupos armados.

Diante de tantas cenas reais da crua realidade colombiana, encontramos uma grande certeza: a oferta de assistência de saúde mental é uma necessidade tão evidente como inegável. Não é certo que o tempo cura todas as feridas. A inclusão e a priorização da saúde mental no modelo de atenção primária de saúde são imprescindíveis, bem como a atribuição de recursos humanos e técnicos para responder os pacientes com afetações psiquiátricas dentro das instalações e estruturas de saúde.

Em 2016, MSF atendeu, na Colômbia, mais de 6 mil pacientes em cerca de 11 mil consultas individuais de saúde mental, e assistiu mais de 40 mil pessoas em atividades psicossociais. Em 85% dos casos, as motivações da consulta foram violência, separações e perdas, incluindo testemunhos diretos de violência, deslocamento forçado, ameaças e assassinatos ou desaparecimentos de familiares. A depressão, o transtorno adaptativo e a síndrome de estresse pós-traumático são os principais diagnósticos entre a população afetada.  
 
 

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