Comer ou alimentar meu filho? Uma pergunta na mente de muitas mães no Iêmen

Em fevereiro de 2024, 68% das mulheres admitidas na maternidade do hospital geral Abs, no Iêmen, estavam com desnutrição.

Mohammad, de 2 anos de idade, foi internado no centro de nutrição terapêutica do hospital geral Abs, na província de Hajjah, no Iêmen. Ele foi diagnosticado com desnutrição acompanhada de pneumonia e diarreia.

Mohammad não aceita nenhuma comida há algum tempo. Quando ele era mais novo, sua mãe, Mayasa, não podia pagar pela fórmula infantil em pó, então ela o alimentava com leite de vaca, pão e batatas. Esta é a quinta admissão de Mohammad no centro de nutrição terapêutica – a primeira vez foi quando ele tinha apenas 6 meses de vida.

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O centro de nutrição terapêutica no hospital de Abs é apoiado por MSF, mas mesmo que o tratamento de Mohammad seja gratuito, Mayasa teve que se endividar para pagar os altos custos de transporte de sua casa até a instalação de saúde, uma viagem de duas a três horas.

Apesar disso, ela nunca deixa de levar seu filho ao hospital quando ele fica doente. Mayasa se preocupa profundamente com a saúde dos filhos, o que às vezes custa sua própria saúde. Agora grávida, ela foi diagnosticada com desnutrição com quatro meses de gestação.

As mulheres grávidas com desnutrição correm maior risco de complicações durante a gravidez e o parto.”
– Hilaire Pato, médico de MSF no hospital de Abs.

“Meus filhos foram para a casa do tio para tomar café da manhã e eu saí para o hospital esta manhã com o estômago vazio”, diz Mayasa. “Não tenho dinheiro para comida. Se eu comer de manhã, não sobrará nada para o almoço e o jantar.”

Como muitas mães iemenitas, Mayasa se preocupa todos os dias com a forma como alimentará seus filhos e enfrenta a escolha de se alimentar ou deixar sua parte para eles.

Mayasa cuida de seu filho de 2 anos de idade, Mohammad, que foi internado no centro de nutrição terapêutica intensiva apoiado por MSF no hospital geral Abs, na província de Hajjah. Iêmen. © Salam Daoud/MSF

“Estamos vendo muitas pessoas que cuidam dos pacientes no centro de nutrição terapêutica intensiva que estão com desnutrição”, afirma o médico Hilaire Pato, pediatra de MSF no hospital geral Abs. “Isso se deve à insegurança alimentar no Iêmen. Se uma mulher está com desnutrição, é difícil para ela amparar seu bebê.”

Isso é refletido na maternidade do hospital. Saada, que está no nono mês de gravidez, foi internada devido a um sangramento e uma obstrução intestinal. Ela também está com desnutrição. A paciente não fez exames pré-natais durante a gravidez por causa do custo para chegar ao centro de saúde mais próximo de sua casa.

A cidade natal de Saada, segundo ela, está “morta” – sem empregos ou formas de sustento. Sua família, de oito pessoas, luta para encontrar o suficiente para comer. “Comemos pão e chá, mas não comemos carne ou peixe”, conta ela. “Costumávamos receber ajuda alimentar – apenas um saco de farinha e uma garrafa de óleo – mas parou há cinco meses.”

Índice de desnutrição entre mães aumentou nos últimos anos

A equipe de MSF mede a circunferência do braço de todas as mulheres internadas na maternidade de Abs para determinar o estado nutricional delas. O número de mulheres com desnutrição moderada ou grave aumentou de forma constante nos últimos dois anos.

Em 2021, 51% das pacientes admitidas para cuidados de maternidade no hospital geral Abs estavam com desnutrição, enquanto 4% apresentavam desnutrição aguda grave.

Em 2022, esse número subiu para 64%, com 6% apresentando desnutrição aguda grave. Em fevereiro de 2024, 68% das mulheres admitidas na maternidade estavam com desnutrição.

A 60 km de distância de Abs, no hospital materno-infantil de Al-Qanawis, apoiado por MSF, na província de Al-Hudaydah, a situação é semelhante. Em 2023, 47% das mulheres admitidas estavam com desnutrição, subindo para 49% em fevereiro de 2024.

A obstetriz de MSF Nadia Abdallah Hajar mede a circunferência do braço de Amina, grávida de nove meses, na maternidade apoiada por MSF no hospital geral Abs. © Jinane Saad/MSF

“As mulheres grávidas com desnutrição correm maior risco de complicações durante a gravidez e o parto, sendo a principal delas a deficiência de ferro ou a anemia”, alerta Hilaire Pato. “Uma mulher com desnutrição tem um alto risco de ter um bebê com desnutrição. Também será mais difícil para ela amamentar seu filho.”

O risco de mães com desnutrição darem à luz bebês que são suscetíveis à desnutrição é evidente no programa nutricional de MSF em Abs, onde 24% de todas as internações em 2023 foram de crianças com menos de 6 meses de vida.

Agentes de saúde trabalham para identificar a desnutrição

Em um esforço para identificar mulheres e crianças com desnutrição e evitar que sua condição piore, os agentes comunitários de saúde de MSF vão de porta em porta na província de Al-Hudaydah para medir a circunferência do braço de crianças, mulheres grávidas e novas mães.
Todos aqueles que apresentam sinais de desnutrição são encaminhados para o centro de saúde mais próximo com capacidade de nutrição terapêutica.

No entanto, os agentes comunitários de saúde de MSF relataram desafios para garantir a continuidade do tratamento para mulheres grávidas e novas mães com desnutrição, pois há grandes lacunas nesses tipos de programas nos centros de saúde regionais.

Fatores por trás da crise de desnutrição no Iêmen

A crise de desnutrição no Iêmen tem muitas causas latentes. Após mais de uma década de conflito e uma crise econômica implacável, muitas pessoas no Iêmen perderam seus meios de subsistência. Altas taxas de inflação reduziram o poder de compra da população, de modo que as pessoas não podem mais comprar alimentos nutritivos suficientes.

A diminuição das distribuições de ajuda alimentar, incluindo a suspensão das Distribuições Gerais de Alimentos do Programa Alimentar Mundial (PAM) no norte do Iêmen, agravou uma situação já terrível.

Para resolver o problema da desnutrição entre mães e crianças no Iêmen, é crucial preencher as lacunas críticas nos programas de nutrição e assistência alimentar.”
– Hilaire Pato, médico de MSF no hospital Abs.

Ao mesmo tempo, o acesso das pessoas aos cuidados médicos é seriamente limitado devido à falta de instalações funcionais de cuidados de saúde básicos e ao alto custo do transporte. Isso afeta o acesso das gestantes aos cuidados pré e pós-natais. Dessa forma, os primeiros sinais de desnutrição acabam não sendo detectados.

Além disso, muitas mulheres no Iêmen não sabem que a amamentação pode reduzir o risco de desnutrição e complicações associadas para seus filhos.

“Para resolver o problema da desnutrição entre mães e crianças no Iêmen, é crucial preencher as lacunas críticas nos programas de nutrição e assistência alimentar”, defende Hilaire Pato.

“Tendo em vista a dramática falta de financiamento dos doadores que estamos vendo no Iêmen, é essencial que uma abordagem direcionada seja implementada, com foco nos grupos mais vulneráveis, especificamente crianças menores de 5 anos de idade, mulheres grávidas e novas mães”, continua ele.

“Há também uma grande necessidade de aumentar a conscientização sobre a importância do aleitamento materno. Isso ajudará a reduzir o risco de desnutrição e as complicações associadas a ela.”

 

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