Conflito em Burkina Faso: “muitas pessoas têm medo de dormir à noite”

A nova onda de violência no país está agravando ainda mais a vulnerabilidade e as necessidades humanitárias da população

Conflito em Burkina Faso: “muitas pessoas têm medo de dormir à noite”

Após o ataque ao vilarejo de Solhan, no início de junho, o mais mortal na história recente do país, o coordenador-geral de MSF, dr. Youssouf Dembélé, descreve o impacto da violência contínua sobre as pessoas atingidas por uma das crises humanitárias de crescimento mais rápido do mundo nos últimos anos.

O que está acontecendo em Burkina Faso?

“Nos últimos anos, grandes áreas de Burkina Faso têm sido envolvidas pela violência intensa e contínua entre vários grupos armados não-estatais e o exército nacional e suas forças aliadas. Ocasionalmente, também ocorreram lutas internas entre grupos armados não-estatais.
É um conflito regional transfronteiriço que afeta muitos países do Sahel, incluindo Mali, Níger, Chade e outros, como Benin e Costa do Marfim, que também fazem fronteira com eles. Os primeiros incidentes violentos em Burkina Faso aconteceram em 2015 e o conflito atingiu o pico em 2018. No ano passado, ela se tornou a crise humanitária de crescimento mais rápido do mundo, com um milhão de pessoas deslocadas em um país de 20 milhões de habitantes.

Nos últimos meses, vimos um aumento gradual da violência contra civis, que resultou em uma grande perda de vidas humanas, incluindo o ataque na noite de 4 de junho no vilarejo de Solhan, que deixou mais de 130 mortos e muitos feridos. Embora esse ataque – o mais mortal na história recente de Burkina Faso – tenha atraído a atenção global, a insegurança é prolongada em muitas partes do país. Combates, ataques a vilarejos, execuções e outros incidentes violentos se tornaram rotina.

Nas áreas onde as equipes de MSF atuam, vemos cada vez mais pessoas se tornando extremamente vulneráveis, incluindo mulheres, crianças e idosos. Eles sofrem abusos de vários tipos e muitas vezes fogem de suas casas de mãos vazias por causa da intimidação e do medo. ”

Como as pessoas são impactadas pela violência?

“O principal impacto é a perda de vidas humanas: pessoas morrem todas as semanas. Os pacientes chegam frequentemente com ferimentos à bala nas unidades de saúde que apoiamos. Eles geralmente estão em uma condição muito crítica. Também estamos vendo um aumento dos casos de violência sexual contra mulheres e meninas em áreas de conflito.

A violência também está atingindo as pessoas psicologicamente de forma muito dura. Muitas têm medo de dormir à noite. Alguns saem da cama e vão se esconder no mato com medo de serem atacados. O conflito e o deslocamento forçado estão afetando diretamente os meios de subsistência das pessoas. Muitos eram agricultores ou pastores, mas agora perderam tudo e dependem quase inteiramente da ajuda humanitária. Suas perspectivas para o futuro próximo são muito incertas.

Muitos centros de saúde estão fechados porque os funcionários do Ministério da Saúde têm medo de ficar por lá. Em outros casos, os trabalhadores não conseguem mais chegar às unidades de saúde que permanecem abertas porque não há transporte disponível. Alguns agentes comunitários de saúde – treinados por MSF para diagnosticar e tratar crianças e mulheres grávidas em áreas de difícil acesso para condições médicas comuns e encaminhar pacientes críticos para o hospital – também são vítimas dessa violência quando ela atinge suas comunidades, assim, esses serviços básicos são frequentemente interrompidos. Outra dificuldade é a capacidade reduzida da equipe de saúde e das ambulâncias para se deslocarem em certas áreas. Estamos vendo um número significativo de crianças desnutridas, um sinal da fragilidade do estado nutricional dos deslocados e da falta de segurança alimentar.

O conflito está dificultando até mesmo o acesso a algo tão essencial como a água. O grande número de chegada de pessoas deslocadas às áreas urbanas e semi-urbanas pressiona o sistema de água e a rede de distribuição. O resultado é que todos, tanto os residentes locais como os deslocados, ficam sem acesso à água potável em um ambiente já duramente atingido pelas consequências das mudanças climáticas. Muitas famílias enfrentam dificuldades para conseguir água o suficiente para as atividades diárias básicas, como cozinhar e lavar. ”

Como MSF está respondendo a esta emergência?

“Como uma organização médica com foco na resposta a emergências, tentamos nos adaptar a uma situação volátil e fornecer a resposta mais abrangente e oportuna onde for necessário.

Temos vários projetos médicos regulares em cidades e áreas rurais das regiões de Sahel, Nord, Centre-Nord, Est e Boucle du Mouhoum, onde prestamos assistência imparcial, independentemente da etnia, afiliação política ou religião das pessoas. Também temos equipes móveis atuando em algumas das áreas mais remotas, para que as pessoas tenham acesso aos cuidados de saúde.

Tanto quanto podemos, respondemos às necessidades imediatas das pessoas recém-deslocadas conforme elas surgem – seja para cuidados de saúde, abrigo, higiene, água ou saneamento – para que elas tenham pelo menos serviços mínimos nas áreas para onde fugiram. As áreas que absorveram um grande número de recém-chegados nas últimas semanas incluem Markoye, Gorom Gorom e Sebba, na região do Sahel.
Durante os picos de violência e emergências, apoiamos as unidades de saúde que receberam um grande número de feridos, garantindo equipes, suprimentos médicos, medicamentos ou assessoria técnica. Isto aconteceu após o ataque a Solhan, quando apoiamos os serviços de saúde de Dori e Ouagadougou na prestação de cuidados médicos e cirúrgicos a mais de 20 pacientes gravemente feridos. O fornecimento de água potável também é um componente fundamental do nosso trabalho em Burkina Faso. ”

Quais são suas principais preocupações para os próximos meses?

“Com o conflito persistindo por anos, a região entrou em um estado de crise prolongada, que provavelmente se tornará cada vez mais negligenciada com o tempo. Isso se deve a questões logísticas e de segurança, que dificultam a prestação de assistência, mas também devido às diversas outras emergências que acontecem em todo o mundo.

Embora algumas outras organizações humanitárias já estejam atuando na região, é necessário muito mais, incluindo a adaptação da resposta aos contínuos picos de violência. Também é necessário que haja um suprimento constante de alimentos para as pessoas deslocadas, para que crianças, mulheres grávidas e mulheres em idade fértil não fiquem desnutridas, pois o conflito aumenta o risco de as pessoas sofrerem com essa doença.

O nível de necessidades humanitárias e médicas é extremamente alto. Nossas equipes estão trabalhando em um ambiente de segurança muito exigente e volátil e é crucial que elas tenham acesso irrestrito para alcançar as pessoas necessitadas em tempo hábil, onde quer que estejam. ”

 

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