COVID-19 na África Ocidental: foco nos mais vulneráveis e aprendizados do passado

Experiência adquirida com o combate à epidemia de Ebola é fundamental na atual resposta ao novo coronavírus

COVID-19 na África Ocidental: foco nos mais vulneráveis e aprendizados do passado

Hoje, 43 dos 54 países do continente africano estão afetados pela pandemia de COVID-19. Serra Leoa é o único país da África Ocidental e Central que ainda não teve casos confirmados. Burkina Faso, Senegal e Camarões, que estão entre os países com maior número de casos registrados na região, já estão em estágio de transmissão local e estão preparados de maneiras diferentes para responder ao novo coronavírus. O médico Dorian Job, coordenador de MSF da África Ocidental em Dakar, nos atualiza sobre a situação na região e as prioridades nesta fase da resposta.

Com a rápida propagação da pandemia do novo coronavírus nas últimas semanas, a questão do nível de preparação dos países africanos para lidar com essa crise tem estado nas manchetes da imprensa internacional. Mas, para ser sincero, que país realmente estava preparado? Vejamos a situação na Europa hoje, especialmente em países como Itália, França e Espanha: qual deles estava preparado para enfrentar uma bomba-relógio?

Também se pergunta se a epidemia de Ebola que afetou a África Ocidental entre 2014 e 2016 ajudou os países a estarem mais bem preparados. Ela permitiu pelo menos o desenvolvimento de reflexos e mecanismos de vigilância e coordenação. Agora é apenas uma questão de tempo para ver como será sua eficácia. Mas, enquanto isso, temos desde já de nos preparar para a próxima fase desta pandemia, quando as cadeias de contaminação estiverem fora de controle e tivermos muitos outros casos para tratar.

A maioria dos países já adotou medidas para impedir a propagação da pandemia (como o fechamento de fronteiras aéreas, o banimento de reuniões, o fechamento de escolas), mas ainda sem chegar ao confinamento total.

Se conseguirem retardar a propagação do vírus, essas medidas, no entanto, impactarão as economias de países e populações que frequentemente vivem um dia de cada vez. Elas também terão impacto sobre populações particularmente vulneráveis no contexto de crises humanitárias.

Em Burkina Faso, por exemplo, será muito difícil os atores conseguirem acelerar a resposta humanitária, uma vez que já vínhamos pedindo a ampliação da ajuda, para lidar com a insegurança e as consequências dos deslocamentos populacionais. Hoje, nenhum de nós está em condições de reunir novas equipes, e o sistema de logística de suprimentos médicos será interrompido por semanas ou até meses. No entanto, não é apenas imperativo fortalecer a resposta à crise humanitária, mas também dar mais atenção às medidas de higiene e prevenção de infecções, a fim de evitar a propagação do vírus, em um país onde o acesso à água é amplamente insuficiente em áreas de risco.

Cada país certamente terá de adaptar essas medidas em breve, a fim de gerar equilíbrio entre a desaceleração necessária na disseminação do vírus e os impactos econômicos e sociais que provavelmente terão.

No entanto, deve haver certas constantes independentemente do contexto.

Antes de tudo, o que fará a diferença na desaceleração da pandemia é uma mudança nas atitudes individuais: o respeito pela distância física de 1,5 m sobre a qual falamos e a aplicação de medidas básicas de higiene individual.

Outro elemento-chave para lidar com as pandemias será nossa capacidade de identificar, monitorar e cuidar das pessoas em maior risco. A COVID-19 é uma doença respiratória com uma forma leve ou moderada para a grande maioria, mas causa complicações bastante graves para aqueles em risco, principalmente idosos e pessoas com outras condições médicas. Mas ainda sabemos muito pouco sobre sua transmissão em áreas tropicais ou as consequências da coinfecção com outras doenças crônicas, como diabetes ou hipertensão, ou com doenças sazonais, como malária ou desnutrição.

Encontrar uma alternativa para a triagem também é fundamental, pois as capacidades de testagem e diagnóstico não são suficientes no momento. Teremos de estabelecer mecanismos de detecção com base nos sintomas e desenvolver sistemas de monitoramento e encaminhamento epidemiológico para os casos mais críticos, o mais próximo e em conjunto possível com as comunidades.

No entanto, a quantidade de atenção e energia que será concentrada na resposta à COVID-19 nas próximas semanas pode nos levar ao esquecimento de outros aspectos de saúde e de uma grande parte da população. Como exemplo, a malária ou o sarampo – cujos surtos epidêmicos surgiram recentemente em Burkina Faso ou Níger – continuam sendo doenças de alta mortalidade nesses países e é necessário realizar atividades preventivas ou campanhas de vacinação. Mas corremos o risco de não conseguirmos aplicar recursos suficientes.

Temos que tirar lições de epidemias passadas, incluindo a experiência adquirida no combate ao Ebola na região.
O que precisamos lembrar com prioridade: garantir a segurança dos profissionais de saúde; manter a confiança na resposta e nos atores que a implementam, pois é essencial evitar o pânico e garantir a disseminação da informação correta; não negligenciar outros pacientes.

Ao mesmo tempo, é preciso ter cautela para não simplesmente reproduzir todos os elementos de uma resposta ao Ebola: por exemplo, usar equipamentos de proteção individual do tipo Ebola (o macacão) para um vírus que não é contagioso pela pele. Temos, na verdade, de fortalecer estruturas de assistência descentralizada para cuidar de casos simples e evitar que os centros de tratamento sejam sobrecarregados com as pessoas (80%) que não requerem hospitalização. A experiência anterior com a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS-CoV) também evidenciou que estruturas bem ventiladas e com luz natural oferecem condições de controle de infecção muito melhores do que estruturas sofisticadas com um circuito de ar fechado.

Em resumo, teremos que fazer um balanço do passado e inovar. Na verdade, não ficaria surpreso se novas soluções para responder a essa pandemia do novo coronavírus vierem do continente africano. De fato, os países africanos têm mais experiência no gerenciamento de emergências de saúde e os reflexos de saúde pública são mais desenvolvidos do que na Europa: estamos nos movendo mais rápido e com mais facilidade para simplificar protocolos e padrões médicos, o que poderia permitir uma resposta mais rápida em uma situação como essa.

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