Cuidados de saúde mental no Lago Chade

A saúde mental de refugiados, deslocados internos e da comunidade local é gravemente impactada pelo conflito

Cuidados de saúde mental no Lago Chade

Mais de 10,7 milhões de pessoas na região do Lago Chade, na fronteira entre Camarões, Chade, Níger e Nigéria, dependem de ajuda humanitária para sobreviver. A oferta de ajuda trouxe certo alívio à população nessa área, mas qualquer ruptura na oferta trará consequências mortais.

Enquanto milhares continuam enfrentando altos níveis de violência e deslocamento, as necessidades psicossociais da comunidade continuam altas. A saúde mental é hoje uma parte significante do trabalho de Médicos Sem Fronteiras (MSF) na região. A organização busca reduzir o sofrimento psicológico de refugiados, de deslocados internos e da população local.

Equipes de MSF atendem diariamente homens, mulheres e crianças que sofrem com os impactos da violência e do conflito na região e oferecem cuidados de saúde mental para impedir o agravamento de outras complicações psicológicas. Um dos psicólogos que trabalham com a organização ofereceu atendimento a Yagana*, paciente de MSF em Diffa, no Níger. A seguir, ele conta como foi o encontro com a paciente e o progresso do tratamento.

“Durante uma manhã de março, ao chegar ao centro de saúde Kintchandi, apoiado por MSF, reparo em uma mulher sentada longe dos demais pacientes na sala de espera. Com o queixo apoiado na mão, ela parece triste e irritada ao mesmo tempo.  

Decido me aproximar e pedir a ela que me acompanhe à sala de consulta de saúde mental, que é reservada. Apresento-me e imediatamente explico que nossa conversa será confidencial. Sei, por experiência, que isso deixa as pessoas mais à vontade.  

O nome dela é Yagana e, desde suas primeiras palavras, sei que fiz certo em me aproximar.

Yagana me conta que ela não está se sentindo bem e não tem mais forças. Ela diz que tem um coração ruim, que bate muito rápido. Sem mencionar a dor física, todo o seu corpo a faz sofrer. Mas Yagana não se lembra da última vez que fez algum trabalho físico. Provavelmente foi há vários meses.

Quanto mais ela fala, mais evidente se torna o desconforto dela. Ela me conta sobre suas noites sem dormir e os pesadelos recorrentes. É por isso que ela veio ao centro de saúde, para conseguir medicamentos que, finalmente, a ajudem a dormir. Ela precisa de força para cuidar de seus filhos e realizar o trabalho doméstico. Ela me diz que não tem mais nada.

Pergunto a Yagana algumas coisas para tentar descobrir o que aconteceu e ela começa a se abrir. Ela me diz que tem 21 anos e vem da Nigéria. Seu marido é um ex-comerciante e criador de gado. Eles costumavam ter muitas vacas, mas, certo dia, homens armados invadiram seu vilarejo.

Eles levaram tudo: bens, dinheiro e todas as vacas. Eles levaram Yagana e sua família para fora do vilarejo e é por isso que eles vieram para Kintchandi. Graças ao carro em que chegaram, o marido ganha um pequeno salário como taxista. Mas não é suficiente para alimentar todos, incluindo as crianças e outras duas esposas do marido. A comida é sempre escassa.

Pensamentos sombrios a dominam. Yagana pensa em seu tio que foi morto e em seu irmão que foi levado e de quem não recebe notícias desde então. Ela também pensa em seu pai que morreu há três meses. Ele era uma das únicas lembranças de sua vida antiga, antes de ser obrigada a fugir por causa da violência.

Eu escuto em silêncio. Embora eu sinta que suas emoções sejam esmagadoras, ela precisa conversar.

Quando chegou a Kintchandi, Yagana achou que havia encontrado paz, mas a insegurança regular e o conflito na região a assustam. Ela se assusta até mesmo com uma sacola plástica se aproximando.

Yagana come muito pouco, às vezes nada. Ela diz não ter fome. Os pesadelos continuam. Quando fecha os olhos à noite, ela constantemente vê homens armados e sombras a perseguindo e tentando matá-la. Isso é, sem dúvida, o que mais a esgota.

Yagana se pergunta qual é o significado de sua existência sob essas condições. Ela perdeu toda a esperança de que a situação melhore um dia. Yagana me conta que encontrou uma boa palavra para descrever como se sente: “desesperada”.

Após a primeira sessão, peço a Yagana que venha novamente para dar continuidade ao tratamento.

Estamos agora na terceira sessão do que nós, psicólogos, chamamos de terapia cognitivo-comportamental. Durante as sessões, trabalho com Yagana para encontrar métodos de relaxamento através de exercícios de respiração profunda e de visualização. Também tentamos restaurar a autoconfiança e acabar com os sentimentos de culpa – o que é comum nos pacientes que tratamos aqui.

Yagana também participa de um grupo de apoio com outras jovens de sua idade que enfrentam dificuldades semelhantes.
Ela me conta que suas noites se tornaram mais calmas e que seu apetite voltou. Ela até comenta sobre começar um pequeno negócio, vendendo especiarias.”

* Nome alterado para proteger a privacidade do paciente.
 

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