Desnutrição além da fome: um panorama sobre causas e tratamentos

Mais de 1 milhão de crianças morrem a cada ano por causa da desnutrição.

Em todo o mundo, uma em cada cinco mortes entre crianças menores de 5 anos de idade é causada pela desnutrição aguda grave, uma das principais ameaças à saúde infantil, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU). Mais de 1 milhão de crianças morrem a cada ano em decorrência da doença.

As crianças são particularmente vulneráveis à desnutrição, e a maioria dos pacientes que Médicos Sem Fronteiras (MSF) trata com essa condição são menores de 5 anos de idade. Pessoas com idades avançadas, com doenças crônicas, gestantes e lactantes também correm um risco significativo.

Khaista Gul trouxe seu neto, Mustafa, de 2 anos de idade, para o centro de nutrição terapêutica ambulatorial de MSF em Kandahar, no Afeganistão. © Tasal Khogyani/MSF, 2022

Desnutrição não é apenas sobre fome.”
– Jenna Broome, médica de MSF.

Em determinadas circunstâncias, as pessoas são impossibilitadas de obter a quantidade suficiente de alimentos que necessitam ou seu organismo não consegue aproveitar os nutrientes da forma adequada. Isso pode causar um quadro de desnutrição muito grave.

A desnutrição aguda – uma forma da condição que põe a vida em risco – é uma das principais preocupações de MSF em muitos países do mundo. Há diferentes causas interligadas para a desnutrição. Em algumas situações, as pessoas não conseguem ter acesso adequado a alimentos porque:

• Foram forçadas a abandonar suas casas, deixando para trás alimentos armazenados, o gado, as colheitas e os bens domésticos, assim como seus empregos;

• Tiveram suas plantações e seu gado destruídos por conta de conflitos. A violência pode tornar muito perigoso o trabalho nos campos. Além disso, empregos e meios de subsistência podem ser interrompidos;

• A seca ou as inundações destruíram os alimentos e as plantações, mataram o gado e forçaram as pessoas a procurar segurança em outros locais. Nessas condições, alimentos, combustíveis e produtos alimentícios podem se tornar muito caros.

Além disso, há fatores agravantes – como surtos de doenças e a falta de acesso à água potável, a saneamento básico adequado e a cuidados de saúde – que podem contribuir com altos índices de desnutrição.
A maioria das mortes ligadas à desnutrição ocorre em países de baixa e média renda.

Salo Tojong’o segura seu bebê no centro de nutrição terapêutica em Illeret. A região, localizada no Quênia, teve um alto índice de desnutrição devido a uma seca devastadora. © Njiiri Karago/MSF, 2022

“Desnutrição não é apenas sobre fome. Quando uma criança está com desnutrição, seu sistema imunológico fica enfraquecido e não consegue combater as doenças infecciosas como faria normalmente. Por isso, não se trata apenas de fornecer alimentos. As crianças precisam de cuidados médicos e de conhecimentos especializados. Precisam ser estabilizadas, de antibióticos e fluidos. Para além de tudo isso, precisam de vitaminas, leite ou alimentação terapêutica especialmente formulada, e vacinas para as proteger contra novas infecções. MSF é capaz de fornecer tudo isso”, explica Jenna Broome, médica de MSF.

Quando seu braço foi medido com a fita MUAC, constatou-se desnutrição aguda grave.”
– Widalanbe, mãe de Alexandro, paciente atendido por MSF no Haiti.

Muitas das crianças com desnutrição que chegam às nossas unidades de saúde já estão extremamente doentes, com desnutrição aguda grave complicada por outras doenças.

As crianças também são rastreadas quanto à desnutrição em clínicas móveis, nas comunidades e quando chegam aos hospitais apresentando outras queixas médicas.

Uma das principais ferramentas de rastreio é a fita MUAC (sigla em inglês), que consiste em uma fita de papel ou plástico com código de cores colocada em volta do braço para determinar se a criança está na categoria verde (bem nutrida), amarela (em risco) ou vermelha (com desnutrição), para que possa receber o tratamento adequado.

Alexandro, paciente pediátrico, acompanhado de sua mãe, Widalanbe, enquanto um profissional de MSF o examina para desnutrição com o auxílio da fita MUAC. © Johnson Sabin, 2022

Alexandro foi atendido por nossas equipes em Porto Príncipe, no Haiti, em junho do ano passado. O bebê, com apenas 5 meses de vida na época, estava passando mal há quatro dias.

“Ele está gripado. Está doente há quatro dias. Tem diarreia, febre e está vomitando desde então”, explicou na ocasião Widalanbe, mãe de Alexandro. “Ele pesa 6 kg. Quando mediram seu braço com a fita MUAC, constatou-se desnutrição aguda grave”, conclui ela. Depois disso, o bebê foi encaminhado para ser tratado gratuitamente em um hospital, por meio de uma parceria de MSF.

Se uma criança está com desnutrição, seu sistema imunológico fica muito fraco.”
– Fazal Hai Ziarmal, líder da equipe médica de MSF no hospital de Boost, no Afeganistão.

A desnutrição também pode levar a um enfraquecimento do sistema imunológico, o que significa que as crianças ficam mais vulneráveis a doenças. Estas doenças podem levar a mais desnutrição, criando um ciclo vicioso de desnutrição e doenças.

Em 2022, MSF tratou um alto número de crianças com sarampo no Afeganistão. Muitas delas estavam com desnutrição. “Se uma criança está com desnutrição, seu sistema imunológico fica muito fraco, e isso pode levar a uma infecção de sarampo mais grave e prolongada. Isso, por sua vez, prejudica ainda mais seu sistema imunológico e torna as crianças muito vulneráveis. Muitas crianças com desnutrição morrem de complicações pós-sarampo”, disse Fazal Hai Ziarmal, líder da equipe médica de MSF no hospital Boost.

Fico muito feliz quando vejo que minha bebê se recuperou.”
– Domingas Luciana, mãe de Florença, atendida por uma equipe de MSF em Angola.

Alimentos e leites especialmente formulados ajudam a tratar a desnutrição, fornecendo os nutrientes, vitaminas e alimentos essenciais necessários.

Os alimentos terapêuticos prontos para consumo (RUTF, na sigla em inglês) podem ser armazenados a longo prazo sem refrigeração e contêm um equilíbrio específico de nutrientes, o que nos permite lutar contra a desnutrição de forma mais eficaz.

Safaratu Tambaya, técnica de apoio nutricional, despeja leite terapêutico em recipientes para pacientes em um centro de nutrição terapêutica intensiva administrado por MSF no Hospital Geral de Maiyama, na Nigéria. © KC NWAKALOR

Com o RUTF, muitas crianças podem ser tratadas em casa, com visitas regulares a clínicas – muitas vezes por meio de clínicas móveis – para verificar o seu progresso.

Algumas crianças precisam ser tratadas no hospital, onde podem ser estabilizadas e tratadas contra outras doenças. Esse foi o caso de Florença Lucinda, atendida em uma clínica móvel de MSF na província de Huila, em Angola, onde nossas equipes a diagnosticaram com desnutrição grave e malária.

“É difícil chegar ao posto de saúde, caminho por duas horas. Florença nasceu muito magrinha e não melhorava. Desde que a tenho levado a esta clínica móvel e ao hospital para acompanhamento, ela tem melhorado. Fico muito feliz quando vejo que minha bebê se recuperou”, disse Domingas Luciana, mãe de Florença.

Domingas Luciana e suas duas filhas, Florença Lucinda (à esquerda) e Felipa Massangua (à direita). © Mariana Abdalla/MSF

As crianças que estão doentes e com desnutrição precisam de mais cuidados e mais tempo de recuperação em relação aos pacientes que estão saudáveis, e é mais provável que voltem a ficar doentes.

Muitas crianças também precisam de antibióticos para combater as infecções, e todas devem receber vacinas de atualização para garantir que estejam protegidas contra outras doenças.

Para além dos cuidados médicos, o apoio psicossocial é fundamental para os pacientes pediátricos e para seus pais ou responsáveis.

Ver as famílias saindo juntas do hospital é a melhor sensação do mundo.”
– Jenna Broome, médica de MSF.

Com o tratamento correto, é possível obter melhorias significativas nos pacientes com desnutrição em um curto período.

Dra. Solveig Köbe atende a pequena Nyayesh, que estava com desnutrição severa e pneumonia quando foi admitida na unidade de cuidados intensivos do departamento de pediatria apoiado por MSF no Hospital Regional de Herat, no Afeganistão. © MSF

“É uma sensação especial chegar ao ponto em que se pode dizer: ‘Já não é mais necessário ficar no hospital. Pode ir para casa, você venceu, você conseguiu’. Não consigo descrever”, diz Jenna Broome, médica de MSF na Etiópia. “Ver as famílias saindo juntas do hospital é a melhor sensação do mundo”.

Bukar Galtimari, médico de MSF na Nigéria, compartilha a experiência de recuperação de uma de suas pacientes. “Ao fim de três dias, a bebê começou a se recuperar. Após quatro dias, ela estava suficientemente bem para deixar de receber oxigênio. Passados 10 dias, foi transferida para o nosso programa de nutrição terapêutica ambulatorial, onde os pacientes recebem de quatro a seis refeições por dia. Vinte e oito dias depois, a bebê recebeu alta, tendo se recuperado totalmente. Toda a equipe comemorou o acontecimento. Sua mãe, Aisha, não poderia ter ficado mais feliz”, contou.

 

Em 2022 , atendemos mais de 127.400 crianças com desnutrição grave em centros de nutrição terapêutica intensiva, além de 438.100 crianças com desnutrição admitidas em programas de nutrição ambulatorial de MSF.

Compartilhar