Desnutrição grave aumenta entre crianças em Abs, Iêmen

Muriel Boursier, coordenadora-geral de MSF no Iêmen, descreve a situação preocupante enfrentada por iemenitas devido à guerra no país

Desnutrição grave aumenta entre crianças em Abs, Iêmen

“Hamdi ainda não completou dois anos, mas esta já é sua segunda vez como paciente no hospital de Médicos Sem Fronteiras (MSF) no norte do Iêmen. Na primeira vez, ele tinha cinco meses. Agora, pouco mais de um ano depois, ele está com desnutrição grave e pneumonia. Suas pálpebras estão inchadas, ele está com uma tosse constante e dificuldade para respirar. Sua família viveu em um país em guerra durante os últimos seis anos, enquanto ele viveu a guerra durante a vida toda.

Hamdi é uma das mais de cem crianças que MSF tratou no centro de nutrição terapêutica intensiva em Abs desde o início do ano. A maioria tem menos de cinco anos e todos sofrem de desnutrição grave. Sempre vemos um pico de casos no hospital por volta desta época do ano, mas atualmente a situação é pior: os casos aumentaram 41% no mesmo período de seis meses do ano passado. Dói olhar para as crianças internadas na enfermaria de 50 leitos desta cidade remota.

Há muitos motivos pelos quais vemos crianças desnutridas em Abs, mas a maioria está ligada ao conflito brutal de seis anos que assola o Iêmen desde 2015. A guerra dizimou a economia, destruindo meios de subsistência, de modo que as pessoas não podem mais comprar comida para alimentar suas famílias ou combustível para viajar em busca de trabalho ou assistência médica. Muitos funcionários do setor público – incluindo profissionais médicos – não recebem pagamento há anos. Os preços aumentam constantemente: se não fosse a oferta de ajuda humanitária, muitas famílias não teriam o que comer.

A grande maioria da população iemenita depende de ajuda humanitária para sobreviver, mas, apesar dessa necessidade evidente, é um desafio constante para as organizações humanitárias conseguir chegar às populações mais vulneráveis. A resposta humanitária no Iêmen carece de continuidade, é insuficiente e subfinanciada.

MSF trabalha no distrito de Abs há mais de cinco anos. A criação de programas de apoio nutricional mais consistentes e duradouros e a melhoria do acesso à água e saneamento tanto nos campos de deslocados como nas comunidades anfitriãs reduziria o número de crianças gravemente desnutridas que chegam ao hospital. Em vez disso, o número de pacientes que tratamos frequentemente excede a capacidade da enfermaria.

A desnutrição expõe as crianças a uma série de doenças secundárias, que podem ser fatais se não tratadas. Diarreia, sarampo e infecções respiratórias soam como doenças normais da infância para muitas crianças em todo o mundo, mas, para crianças já debilitadas e sem nutrientes essenciais, e na ausência de acesso a cuidados de saúde em tempo hábil, podem ter consequências fatais. Muitas das complicações de saúde que tratamos relacionadas à desnutrição poderiam ser evitadas com a prestação de serviços básicos no nível primário de saúde.

Sabemos, pelos milhares de pacientes que tratamos no hospital Abs todos os anos, que a história de Hamdi infelizmente é comum. As crianças que atendemos estão acostumadas a ouvir seus responsáveis se preocuparem incessantemente com a situação econômica: os pais desaparecem por dias à procura de trabalho, combustível ou alimentos. As mães fazem de tudo para alimentar suas famílias e, no entanto, apesar de todos esses esforços, as crianças estão passando fome. Embora essa realidade apareça regularmente nas manchetes, vemos poucas mudanças no campo. O mundo está ocupado com várias outras prioridades, mas é difícil acreditar que os governos e atores humanitários no século XXI não possam fazer mais pelas crianças de Abs.

Os iemenitas estão sendo levados ao limite absoluto de sua resiliência. A guerra matou cerca de 233 mil pessoas desde 2015. Ela já deslocou milhões, múltiplas vezes. Destruiu a infraestrutura e o sistema de saúde. Os civis iemenitas não podem continuar assim. As partes em conflito e a comunidade humanitária de doadores e organizações devem garantir que as famílias tenham acesso a alimentos e serviços essenciais, e que a assistência humanitária chegue aos necessitados. As crianças que tratamos no hospital Abs, que, contra todas as probabilidades, conseguem superar a desnutrição grave, doenças cardíacas, pneumonia e outras doenças, não devem ser esquecidas por aqueles que têm o poder de ajudar.”

 

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