“Devemos aproveitar todas as oportunidades para oferecer vacinas contra doenças mortais”

Surtos de meningite C e sarampo, doenças evitáveis por vacinas, afetaram milhares de pessoas no Níger

"Devemos aproveitar todas as oportunidades para oferecer vacinas contra doenças mortais"

Miriam Alía, consultora de surto e vacinação de Médicos Sem Fronteiras (MSF), fala sobre os surtos de meningite C e sarampo que afetaram o Níger em 2018.

Por que esses surtos ocorreram?

Por mais um ano consecutivo, o Níger enfrenta vários surtos de meningite C e sarampo: duas doenças potencialmente fatais e altamente contagiosas. Embora ambos os surtos possam ser prevenidos por vacinas, o problema é diferente em cada caso.

Para meningite, não há vacina barata e efetiva contra todos os sorogrupos da doença e a escassez da produção mundial significa que as vacinas só podem ser usadas de forma reativa, quando uma epidemia é declarada. A vacinação contra o sarampo, por outro lado, foi incluída nos programas de vacinação de rotina desde 1974, mas esses programas ainda não estão alcançando um número suficiente de pessoas para prevenir a transmissão da doença.

Nos últimos anos, temos visto grandes epidemias de meningite C na região. A situação melhorou este ano?
 
Tem sido um ano bastante calmo na área conhecida como cinturão africano de meningite, mas ainda há grande escassez de vacinas contra a doença. O Grupo Internacional de Coordenação sobre a Provisão de Vacinas – órgão que administra as vacinas – estabeleceu um estoque mínimo de 5 milhões para o sorogrupo C. No entanto, continuamos a vacinar apenas quando os limiares da epidemia são ultrapassados. Vacinar assim que o nível de alerta* for atingido, como medida preventiva, seria mais efetivo.

Por que há uma escassez de vacinas contra meningite?

Existem diferentes tipos da doença – há sorogrupos A, B, C, W135, X – e não há vacina efetiva contra todos eles. Por enquanto, a melhor vacina que temos é o conjugado tetravalente, que atualmente é efetiva contra os quatro sorogrupos mais comuns, mas é muito cara. O Instituto de Soro da Índia está trabalhando em uma vacina conjugada pentavalente (A, C, Y, W-135, X) que, em teoria, será barata, efetiva e segura, mas não estará disponível até 2020. Dada a perspectiva de uma vacina capaz de cobrir todas as necessidades, os demais laboratórios não estão investindo na produção de outras, caso não vendam as atuais.

Como tem sido a resposta à epidemia de meningite C no Níger?

Junto ao Ministério da Saúde, vacinamos mais de 30 mil pessoas contra a meningite C na região de Tahoua. Nós também fornecemos mais apoio ao tratamento de pacientes. Ficamos surpresos ao encontrar uma porcentagem tão alta de casos do sorogrupo X, para os quais não há vacina no momento. Essa é uma grande preocupação para o futuro.

Existem outras estratégias de prevenção de meningite C?

Novas estratégias de prevenção foram testadas, como a administração de uma dose de um antibiótico chamado Ciprofloxacina. Ele tem sido usado no Níger e parece que, quando administrado em todos em uma área rural, a transmissão é consideravelmente reduzida. Mais estudos no futuro estão sendo planejados para avaliar o impacto dessa estratégia em áreas urbanas. O medicamento poderia ser outra arma na luta contra novas epidemias, especialmente se não forem grandes.

E no caso do sarampo, por que o programa de vacinação de rotina não impede os surtos?

O programa é muito rigoroso em termos de idade. No Níger, o protocolo nacional afirma que as crianças devem ser vacinadas até os 23 meses de vida. Mas as vacinas fornecidas pela Gavi, a Aliança Mundial para Vacinas e Imunização, são suficientes apenas para proteger crianças com menos de 12 meses de vida. Portanto, a dose de reforço do sarampo não é dada aos 15 meses de vida e as crianças que chegam aos centros de saúde com mais de um ano não são vacinadas.

Também deve ser levado em conta que uma parte significativa da população do Níger vive em comunidades nômades ou em áreas afetadas por conflitos. Isso significa que eles têm pouco acesso aos programas de vacinação oferecidos nos centros de saúde. A fim de evitar a propagação da doença, no mínimo 95% das pessoas devem estar protegidas, mas é difícil manter essa taxa de cobertura.

Como a taxa de cobertura poderia ser maior?

O programa de vacinação das crianças deve ser mais flexível. Os programas devem incluir crianças de até 5 anos de idade e sempre que ela entrar em contato com o sistema de saúde, essa deve ser uma oportunidade para atualizar seu cartão de vacinação.

Campanhas com múltiplos antígenos também devem ser realizadas para proteger os pequenos do maior número de doenças possível. Atualmente, estamos respondendo a uma epidemia de sarampo em Arlit (Agadez). Além de vacinar contra o sarampo, também estamos aproveitando a oportunidade para oferecer a vacina pentavalente** e a vacina pneumocócica na mesma campanha.

Onde é possível e onde há disponibilidade, estamos oferecendo a vacina contra o tétano a mulheres grávidas ou em idade fértil. Essa vacina requer cinco doses e a maioria das mulheres em contextos como o Níger não recebe todas elas. Portanto, estamos aproveitando esta oportunidade para fornecer a elas e seus futuros recém-nascidos a proteção adequada. Devemos aproveitar todas as oportunidades para oferecer vacinas contra doenças mortais.

Desde o início de 2018, MSF, junto ao Ministério da Saúde, vacinou mais de 179.460 pessoas no Níger. Isso inclui 145.843 crianças entre seis meses e 15 anos de idade vacinadas contra o sarampo em nove áreas de saúde nas regiões de Tahoua e Agadez. Outras 33.620 pessoas com idade entre dois e 29 anos foram vacinadas contra a meningite C em três áreas de saúde na região de Tahoua. Atualmente, a organização está realizando uma campanha de vacinação contra o sarampo em Arlit (Agadez), com o objetivo de vacinar mais de 50 mil crianças menores de 5 anos de idade. Dessas, as menores de 1 ano também receberão vacinas pentavalentes e pneumocócicas.

* Os limiares de alerta e epidemia são respectivamente 5 e 15 casos de meningite por 100 mil habitantes por semana em localidades de mais de 30 mil habitantes. O limiar epidêmico pode ser reduzido a 10 casos por 100 mil habitantes por semana, quando o risco de epidemia é alto.

** Difteria, coqueluche, tétano, Haemophilus influenzae tipo B e hepatite B.
 

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