Dez anos de violência e deslocamento no nordeste da Nigéria

As condições continuam terríveis e as necessidades humanitárias não são atendidas nesta parte do país

Dez anos de violência e deslocamento no nordeste da Nigéria

Já se passaram 10 anos desde que uma insurgência começou no nordeste da Nigéria, com grupos de oposição armados combatendo o exército nigeriano. Uma década depois, o conflito está longe de terminar. As pessoas continuam a ser forçadas a abandonar suas casas por causa da violência e muitas famílias deslocadas vivem agora em campos mantidos pelas autoridades estatais ou informalmente montados ao lado das comunidades locais. A maioria dos deslocados são mulheres e crianças, que dependem muito da assistência humanitária para sobreviver. Estima-se que 1,8 milhão de pessoas tenham sido deslocadas nos estados de Borno, Adamawa e Yobe, no nordeste do país.

Desde 2009, os níveis crescentes de insegurança e deslocamento forçado continuam a perturbar a vida das pessoas em Borno. Médicos Sem Fronteiras (MSF) iniciou uma resposta à crise em 2014, mas uma resposta humanitária mais ampla demorou para começar. Em 2016, MSF ficou especialmente atenta a Bama, em Borno, já que as equipes observaram altos níveis de desnutrição.

Embora o montante da ajuda humanitária tenha aumentado nos últimos anos, as lacunas no apoio às comunidades deslocadas não foram abordadas de forma adequada. Muitas áreas de Borno permanecem ainda muito inseguras, o que dificulta a prestação de assistência. Profissionais humanitários só podem trabalhar em áreas conhecidas como “cidades-guarnição”, enclaves controlados pelos militares nigerianos, e não têm acesso a outras áreas fora do controle militar. Mas mesmo dentro das cidades-guarnições, as necessidades das pessoas permanecem não atendidas. Isso forçou algumas pessoas a deixar a relativa segurança dos campos, arriscando suas vidas fora do perímetro de segurança para buscar comida e lenha.

Nos acampamentos formais, as restrições à liberdade de movimento prejudicam as oportunidades de auto-suficiência e impedem as pessoas de cultivar ou plantar, tornando-as altamente dependentes da assistência humanitária para a sobreviver. Isso agrava os traumas físicos e psicológicos de longo prazo, após essas pessoas terem passado por uma década de violência.

Nos acampamentos informais, as pessoas estão amontoadas em pequenas áreas de terra, com pouca infraestrutura ou apoio humanitário para garantir que suas necessidades básicas sejam atendidas. Muitas famílias dormem em minúsculas cabanas feitas de lonas de plástico ou roupas e tecidos rasgados, incapazes de resistir a breves períodos de chuva.

“Desde que chegamos a este acampamento há oito meses, não temos nenhuma latrina para usar. Todos nós temos defecado a céu aberto, geralmente correndo para o mato mais próximo ”, diz Lami Mustapha, de 40 anos. Ela vive em um acampamento informal em Maiduguri, capital do estado de Borno, com seus oito filhos. Rabi Musa, 50 anos, mãe de 10 filhos, também disse a MSF que a vida no acampamento informal não é fácil. “Todos nós temos que pedir esmola, incluindo meus filhos, e trabalhar em sub-empregos para sobreviver. Não há assistência vindo até nós.”

“Nos últimos seis anos, fui forçado a me mudar três vezes. As duas primeiras vezes eu estava fugindo de ataques violentos e depois, pela terceira vez, por causa das condições de vida difíceis”, lembra Yakura Kolo, de 30 anos, que vive com cinco filhos em um acampamento para pessoas deslocadas.

Em Maiduguri, um influxo de pessoas deslocadas de toda a região levou a população a dobrar de 1 para 2 milhões. Embora a maioria das agências de ajuda e grande parte da ajuda humanitária esteja concentrada aqui, as necessidades são enormes e os serviços de saúde ainda não dispõem de recursos suficientes.

MSF mantém o maior programa de nutrição terapêutica no distrito de Fori, em Maiduguri, cuidando de crianças gravemente desnutridas com complicações médicas. Até 300 crianças são admitidas todos os meses. Em maio e junho de 2019, MSF viu um aumento no número de pacientes desnutridos, já que as pessoas não têm comida suficiente para sobreviver durante o período entre as colheitas, conhecido como ‘lacuna da fome’. MSF não conseguiu receber várias pessoas porque o centro de nutrição havia atingido sua capacidade total. No distrito de Gwange, MSF mantém um hospital pediátrico para residentes de Maiduguri e pessoas deslocadas, com uma unidade de terapia intensiva que também pode responder a surtos de doenças infecciosas. Em 2019, mais de 3 mil crianças com sarampo foram internadas e tratadas no hospital de Gwange.

Fora de Maiduguri, MSF oferece assistência médica muito necessária nas cidades de Pulka, Gwoza e Ngala, incluindo cuidados de saúde primária e secundária, tratamento para desnutrição, serviços de maternidade e apoio à saúde mental.

“Sendo a única unidade de saúde secundária para toda a área, estamos lutando para absorver o aumento de pacientes e a deterioração da saúde devido a fatores sazonais e condições de vida precárias”, diz Ewenn Chenard, coordenador do projeto de MSF em Ngala. “Nos acampamentos daqui, uma média de mais de 750 pessoas chega todos os meses. Mais de 60 mil pessoas deslocadas vivem hoje com menos de um quilômetro quadrado de terra, a maioria delas sob abrigos improvisados, que são facilmente danificados por tempestades de areia e chuvas fortes”.

Com a chegada da estação das chuvas, é provável que a saúde das pessoas deslocadas piore. Deve haver um aumento nos casos de malária e as pessoas que não receberam tratamento de prevenção ficam particularmente vulneráveis. MSF começou a tratar pacientes com malária em suas clínicas em Maiduguri, onde o número de leitos aumentou de 80 para 210. Além disso, uma campanha sazonal de quimioprevenção da malária está sendo implementada em Banki, Bama, Rann, Ngala e Pulka, para oferecer doses de medicamentos antimaláricos para crianças com idade entre 3 e 59 meses de vida.

Em Borno, as enchentes durante a estação chuvosa causaram uma deterioração das instalações de higiene. A falta de água limpa está agravando ainda mais a vulnerabilidade das pessoas, especialmente crianças, às doenças transmitidas pela água, como a cólera. MSF criou centros de tratamento de cólera, com 100 leitos em Maiduguri e 60 leitos em Ngala, para responder rapidamente ao possível surto.

“No nordeste da Nigéria, as pessoas ainda estão expostas a um alto nível de violência e experiências traumáticas em um conflito que está longe de terminar”, diz Luis Eguiluz, coordenador-geral de MSF na Nigéria. “O sofrimento e a vulnerabilidade deles se estendem nos campos de deslocados, onde as necessidades humanitárias imediatas não estão sendo adequadamente atendidas.”

 

MSF trabalha na Nigéria desde 1996 e tem uma presença permanente no nordeste da Nigéria desde 2014. Atualmente, equipes de MSF oferecem assistência médica em Gwoza, Maiduguri, Ngala e Pulka, no estado de Borno, enquanto equipes de emergência respondem a surtos de doenças e outras necessidades humanitárias urgentes.

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