Dois dias com refugiados: “As coisas nunca mais serão as mesmas”

Estudante de jornalismo fala sobre experiência com MSF em Uganda

Desde janeiro deste ano, mais de 66 mil refugiados sul-sudaneses cruzaram a fronteira de seu país em busca de segurança no distrito de Adjumani, em Uganda. Logo que soube, em dezembro de 2013, que conheceria de perto a realidade dessas pessoas e o trabalho realizado pela organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) nesse contexto, a estudante e vencedora da oficina de jornalismo realizada por MSF em 2013, Talissa Monteiro, de 22 anos, começou a se preparar.

No entanto, segundo ela, ler sobre o assunto, conversar com pessoas e estar ali são coisas completamente diferentes. Foram apenas dois dias em campo, o que parecia pouco para a estudante, ávida por conhecimento e trocas de experiências, mas o tempo se mostrou suficiente para que ela voltasse com muitas histórias para contar. “As coisas nunca mais serão as mesmas”, afirma.

A chegada de Talissa ao centro de recepção de sul-sudaneses em Nyumanzi foi simultânea à de um caminhão, carregado de refugiados que ali seriam registrados e receberiam os primeiros cuidados. “Logo naquele primeiro momento, vendo aquelas pessoas carregando praticamente nada, em um espaço pequeno e sob aquele calor, a gente se pergunta: como é possível viver assim?”, conta.
 
A jornada dos refugiados é sempre permeada por muitas dificuldades e a grande maioria chega exausta, o que muitas vezes se reflete em sua saúde. Equipes de MSF avaliam cada um deles e os encaminham para cuidados de acordo com a necessidade identificada. E foi ali, na clínica de triagem de MSF, que Talissa conheceu um sul-sudanês que vive em uma tenda com os outras 21 pessoas de sua família. “Ali dentro, vi só três colchões”, diz ela, explicando que, embora compartilhem o pequeno espaço, podem se considerar afortunados, se comparados a tantas outras famílias que ali chegaram depois deles, e não tiveram acesso a tendas.
 
O inglês utilizado por Talissa para se comunicar era comum, majoritariamente, entre os homens. Ela explica que como as mulheres se casam muito cedo e ficam com as funções domésticas, acabam não tendo acesso ao idioma, aprendido nas escolas. Para auxiliar nas conversas, um jovem de 20 e poucos anos foi contratado como intérprete, papel que assumiu com entusiasmo. “Acabamos ficando amigos, eu e o Eerie Susp, nosso tradutor. Guardadas as devidas proporções, vivemos universos semelhantes e conversamos sobre um monte de coisas, como música e até futebol, maior interesse deles quando souberam que eu sou brasileira”, conta. Talissa estranhou, por vezes, ser a única mulher em meio aos jovens de sua idade nos acampamentos, e sente por não ter tido oportunidade de conversar com as adolescentes e entender suas aspirações, como fazem para lidar com a vida no campo de refugiados.
 
O contato com os profissionais de MSF ajudou Talissa a entender a complexidade da oferta de ajuda médico-humanitária às pessoas em situações como esta. Ela teve oportunidade de acompanhar uma gestante em trabalho de parto a caminho do hospital. “A mulher não parecia sentir dor, mas queria entender tudo o que poderia lhe acontecer. Então, a enfermeira de MSF teve de explicar para o tradutor todos os procedimentos, para que ele a transmitisse”, conta. A estudante conta que teve a impressão de que aquela mulher não havia tido contato, até então, com serviços hospitalares de parto: ela estava acompanhada de uma senhora e levava consigo, além de uma muda de roupa, uma bacia e uma garrafa d’água.
 
MSF atua em seis campos de refugiados em Adjumani, e Talissa teve oportunidade de visitar três deles: Nyumanzi (centro de recepção), Ayilo e Baratuku. A personagem constante das histórias que ouviu foi a violência: “Não conheci ninguém que não tivesse perdido alguém em confrontos, ou que não tivesse sido, de alguma forma, afetado por eles”.
 
Para Talissa, o tempo em campo foi insuficiente para que ela pudesse absorver tudo o que aquele contexto teria para lhe oferecer. Mas ela diz que toda essa experiência, desde o início de sua participação na oficina de jornalismo, foi um divisor de águas em sua vida: “Eu nem tinha ideia que o jornalismo humanitário era uma opção. Ainda que eu não tivesse ganhado o concurso e a viagem, a oficina já teria dado um rumo para a minha carreira. Posso dizer que estou apaixonada”.
 
As histórias de Talissa nos campos de refugiados sul-sudaneses em Uganda estão sendo publicadas periodicamente no blog Do Front , da jornalista Adriana Carranca.
 
No campo transitório de Nyumanzi, MSF oferece consultas ambulatoriais, avalia as crianças para desnutrição e conduz vacinação de rotina. Nos campos de Baratuku e Ayilo, a organização oferece consultas ambulatoriais.

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